Gosto de tomar livros à
biblioteca alheia. Dia desses, manhã ociosa de domingo, mão
estendida à estante que não era minha, veio dar-me à vista o
clássico “A Desobediência Civil”, publicado pela Martin Claret
em reunião com “Outros Textos” de Thoreau. Pulei o ensaio
principal – não era texto para uma manhã de domingo – e fui ao
texto anexo “Andar a pé”, no qual Thoreau discorre sobre a arte
do sauntering.
Para
ser preciso, acompanho o autor:
“(...) sautering,
palavra esplendidamente derivada de “pessoas vadias que erravam
pelo país, na Idade Média, e pediam esmola sob o pretexto de irem à
la Sainte Terre, à
Terra Santa. Eram tão conhecidos, que até as crianças exclamavam
'lá vai um SainteTerrer', um 'Saunterer', um da Terra Santa. (…)
Alguns por certo derivariam a palavra de sans terre,
sem terra ou pátria, o que, por conseguinte, no bom sentido,
significará – não tendo pátria determinada, todo lugar pode ser
sua pátria. (…) Entendo a primeira como sendo a derivação mais
acertada, já que toda caminhada é uma espécie de cruzada...”.
(fl. 42).
Thoureau
tinha um jeito de viver tão extremo e diferente, com práticas e
aptidões tão inusitadas (… morar no mato, viver quase sem
dinheiro, alimentar-se o mínimo e com o básico etc... - vide Walden), que nos faz
pensar se o nosso modo de vida, socialmente aceito (ou imposto?),
realmente é o correto.
Sauntering, tirando a
interessante origem da palavra, nada mais é do que vagar a esmo, em
algum campo ou mato, sem qualquer pensamento urbano
na cabeça. Alguém que faça isso hoje em dia, depois de um dia de
trabalho, correria risco de ser interditado pela família.
Mas
se praticar sauntering
não é uma daquelas ideias práticas, não deixa de forçar uma
reflexão sobre estilo de vida de vida, já que cada vez mais se
oscila entre um sedentarismo crônico e atividades de lazer pouco
relaxantes (p. ex. viajar para praias lotadas, após dirigir por horas
emestradas engarrafadas...).
Pena
que a combinação de reflexão crítica com o desejo de viver melhor
não sejam suficientes para a mudança: essa mistura, para fazer o
motor da ação funcionar, ainda carece de uma faísca de iniciativa,
coisa que geralmente se tem tarde demais.
Thoreau, entre justificar racionalmente o não pagamento de tributos
(em a "A desobediência Civil"), exaltar caminhadas a esmo ("Andar a pé") e defender um estilo de vida que beira
a misantropia ("Walden"), pinta o quadro de sua existência com cores tão
fortes que nos obriga a pensar que nossa vida, se pintada fosse,
teria tintas demasiado desbotadas...