"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

domingo, 22 de março de 2009

Chocolate

Sentei e comi um chocolate. E pensei: "alguém fez esse chocolate". Esse alguém esteve em uma fábrica e exerceu uma atividade bem específica na linha de produção; qualquer atividade que ainda não foi atribuída a uma máquina. Talvez separou os chocolates defeituosos dos chocolates aprovados, talvez acionou o botão de adicionar castanhas. Seja qual for sua participação no processo de fabricação, o "alguém" deve ter repetido a mesma tarefa uma centena de vezes.

Existem vários empregos que me angustiam. Mas trabalhar em uma fábrica é algo simbólico. Não por causa do Charles Chaplin, apertando parafusos no Tempos Modernos.

Mas porque ser um operário de uma linha de produção é um dos símbolos mais perfeitos da despersonalização do indivíduo.

É a metáfora ideal sobre ser uma engrenagem em uma máquina.

A peça humana, embora essencial para o resultado final, é substituível; é desinteressada (não há interesse pessoal envolvido na sua atividade); é automatizada (seus movimentos são sempre os mesmos); e é desinvestida de qualquer senso crítico sobre seus atos (ou alguém imagina que o operário pergunte a si mesmo: "o mundo precisa tanto assim de um celular com televisão, a ponto de eu ter de trabalhar doze horas por dia para montá-lo?").

Não quero propor nenhuma discussão sobre as estruturas da sociedade, sobre o capitalismo ou sobre alternativas a ele. Essa conversa, aliás, por demais me aborrece, uma vez que 90% das pessoas que eu conhecço tem uma visão maniqueísta sobre o assunto. Só sabem dizer que o capitalismo é o MAL e o comunismo é o BEM, ou vice-versa.

Mas a questão da despersonalização não sai da minha cabeça...

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...Sísifo enganou e aprisionou a Morte. Com isso, ninguém mais morreu.

Plutão, deus do inferno, indignou-se com Sísifo, pois, sem a Morte trabalhando, o inferno estava sem novos hóspedes. Para resolver a situação, Plutão pediu ajuda a Marte, deus da guerra, e ambos libertaram a Morte.

Como lição pelo desaforo causado aos deuses, foi imposta uma pena a Sísifo: por toda eternidade, ele teve de rolar uma imensa rocha até o cume de uma montanha. E, sempre que chegava ao topo, a pedra rolava novamente para a base da montanha, obrigando a Sísífo repetir eternamente aquela tarefa.

A respeito disso, Gustavo Bernaro (Redação Inquieta) escreveu:

"Com alguma razão, os deuses imaginaram: não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança".

A pedra que eternamente volta à base da montanha são as peças da linha de produção da fábrica... e o indivíduo que eternamente repete os mesmo gestos na linha de produção é o Sísifo moderno.

Tudo isso por quê?

Por que tentamos enganar a morte, trabalhando para sobreviver? Esse é o nosso castigo?

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A próxima vez que você for comer um chocolate, pense: Sísifo.

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