"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

INSUBORDINAÇÃO MENTAL

Antologia Poética do Drummond é meu livro de cabeceira há cinco anos. Achei que não havia nada nele que ainda não houvesse lido.

Hoje, passando os olhos sobre a parte final do livro (denominada “vida e obra”), percebi que isso não era verdade. Havia algo que nunca havia lido:


"Cronologia
1902 Nasce em Itabira do Mato Dentro, estado de Minas Gerais...
(...)
1919 Expulso do Colégio Anchieta por ‘insubordinação mental’.”



Aos 17 anos Drummond já mostrava a que veio ao mundo. Conseguiu ser expulso do colégio por “insubordinação mental”.

Seja lá o que isso significou na prática, reforça minha admiração pelo poeta.

Muito pouco é tão triste quanto não pensar por si mesmo....ser um “subordinado mental”...


“Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
(...)
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras”
– Elegia 1938.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Um barco mais leve

Tempos atrás, passeava com amigos por uma exposição naval e acabei por acaso em uma palestra do Amyr Klink. Não sabia da palestra, e me surpreendi por encontrar o autor de “Cem dias entre céu e mar” por mera coincidência.

O episódio me recordou de uma cena do “Cem dias...”. Alguns dias após deixar o porto de saída, já no meio do oceano atlântico, Amyr percebeu que a distância percorrida diariamente com seu pequeno barco a remo estava diminuindo com o passar do tempo, e que isso iria lhe impedir de alcançar o porto de chegada no tempo programado.

Percebeu também que a queda no rendimento estava atrelada a uma inesperada e crescente resistência do barco às águas do mar, como se algo lhe impedisse de flutuar livremente pelo oceano.

Então Amir se deu conta de que, com o passar dos dias, alguns crustáceos haviam aderido à parte submersa de seu barco e estavam causando a indesejada resistência ao fluxo da água.

A solução? Descer do barco e limpar o casco.

Sozinho, evidentemente, porque assim se faziam as primeiras viagens do navegador.

Com dificuldade e algum perigo (pois os crustáceos do casco atraiam pequenos peixes, e estes atraiam grandes tubarões), Amyr conseguiu desprender aquela crosta de seu barco, e se livrar da resistência indesejada. A partir dali, voltou a avançar com a velocidade necessária para chegar a seu porto.

Uma vez, na terapia, comentei sobre esse episódio.

Disse “muita coisa se prende a nossa parte submersa ao longo da vida, como no casco de um barco, e às vezes é preciso descer corajosamente e limpar a sujeira, para navegar livre da resistência desnecessária até o porto desejado”.

Se alguém me perguntasse qual o sentido da psicanálise, diria (com a generalização necessária para se construir qualquer metáfora): “nos ajudar a descer até a nossa parte submersa (enfrentando os perigos que lá existem), e nos livrar de pesos desnecessários que dificultam nossa viagem".