"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

domingo, 24 de outubro de 2010

Quem deixa ir tem pra sempre

Vou escrever esse post e ignorar solenemente o fato de estar há um mês sem escrever nada por aqui. Essa uma das vantagens de ser o déspota de um feudo de palavras: ignorar certos fatos quando nos convém.

Enfim, The Division Bell possui uma faixa bastante conhecida: Lost for words. Hoje escutei dois versos que ficaram: To martyr yourself to caution/Is not going to help at all.

Trocando ideias em um almoço aprazível sob as árvores, fiz uma ligação desses versos com um capítulo que li há tempos no livro "Nudge" (obra que, adianto, não é de autoajuda e vale a pena). Basicamente o capítulo falava sobre um experimento em que se comprovava que a perda de um objeto gera uma tristeza maior do que a alegria de ganhá-lo. Nas palavras do livro: "De maneira geral, a tristeza pela perda de algo é duas vezes maior do que a alegria proporcionada pelo ganho dessa mesma coisa".

Daí, concatenando essas ideias com outras duas ou três que não estou a fim de mencionar (realmente estou despótico hoje), fiquei pensando como o medo da perda é: (1) inútil, pois na maioria das vezes não impede que a perda aconteça; (2) e, pior do que isso, às vezes é justamente o medo que traz a perda, pois de tão preocupados em nos apropriamos para sempre de certas coisas (ou pessoas, ou momentos) nos tornamos pessoas inseguras e menos divertidas.

Bem, olhos postos no novo pôr-do-sol que ganhei de presente, e com versos da Apanhador Só, encerro esse post comemorativo de um mês de silêncio:

"... quem deixa ir tem pra sempre.
(...)
A pressa esconde o que já é evidente.
Foi do meu lado que eu achei o que me fez assim
Tão diferente..."

sábado, 25 de setembro de 2010

Tira as mãos de mim II

Outra interpretação possível para "Tiras as mãos de mim" (*) é a de uma mulher conversando consigo mesma.

Ao invés de externar ao seu atual companheiro que ama outra pessoa, a mulher simplesmente olha para o homem diante de si e pensa: "Tiras as mãos de mim", porque não te quero; mas "Põe as mãos em mim", porque tuas mãos serão as mãos do meu amado quando eu fechar os olhos.

Em outras palavras, a mulher tenta suportar a falta do ser amado, utilizando-se de uma pessoa que fará as vezes deste, embora não existam semelhanças entre os dois indivíduos.

Na verdade, tamanha é a diferença entre os dois homens, que é possível cogitar ter a mulher escolhido um novo amante sem qualquer qualidade, seja para que isso ressaltasse os bons predicados do antigo amado, seja para que isso lhe torturasse ainda mais a alma, dando vazão a um sentimento de culpa inconsciente.

Fato é haver um desprezo pelo atual companheiro ("Na guerra és vil/ Na cama és mocho"), circunstância a colorir com certa ironia o melancólico novo relacionamento...


(*) O álbum Chico Canta, no qual se encontra essa música, foi concebido como trilha sonora para a peça Calabar: O elogio da Traição. Ao lado das interpretações feitas neste e no anterior post - e de infinitas interpretações possíveis -, há uma leitura "oficial" para "Tira as mãos de mim": a canção retrataria um episódio da invasão Holandesa no Brasil, envolvendo Domingos Fernandes Calabar, sua esposa Bárbara e Sebastião Couto, amigo de Calabar (vide http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno05-04.html).

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tira as mãos de mim

Chico Canta, de 1973, é uma obra-prima. Nessa obra-prima, entre músicas mais conhecidas do público, como Tatuagem, há uma pela qual possuo apreço ímpar: Tira as mãos de mim.

O eu lírico dessa canção-poema é uma mulher em conflito: vive com um homem; deseja outro. Daí a comparação que permeia o texto: "Ele era mil/ Tu és nenhum".

A aparente contradição do refrão é a representação perfeita do conflito do eu lírico. Ao dizer "Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim", a protagonista dirige-se ora ao homem com quem vive (o homem presente, a quem não deseja), ora ao homem ausente (aquele a quem deseja).

Isto é, a música utiliza, de forma não explícita, o recurso da troca de um dos interlocutores do discurso. É sempre a mulher que fala, mas cada verso se dirige a um homem diferente. Assim, temos "tira as mãos de mim", tu, meu amante; e "põe as mãos em mim", tu, meu amado.

E essa é apenas uma interpretação possível. Gosto também de interpretar a mudança de ordens (tira as mãos/põe as mãos) não como uma mudança de receptor do discurso, mas como uma forma de a protagonista (a emissora das ordens) externar um conflito que não suporta mais guardar para si; o conflito de estar com alguém mas desejar a companhia de outra pessoa.

Em outras palavras, a protagonista abre o jogo com seu parceiro, dizendo-lhe claramente: podemos ficar juntos, mas saibas que não és tu quem amo.

Essa verbalização faz da protagonista uma mulher que assume seu próprio desejo, mas que, por sabê-lo irrealizável, decide entregar-se aos braços de quem não ama, quiçá na esperança de fazer queimar no novo enlace as chamas do relacionamento extinto, guardadas dentro de si.

Por isso diz: "Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se o fogo dele/ Guardado em mim/ Te incendeia um pouco...".

sábado, 11 de setembro de 2010

A maior riqueza

A maior riqueza de um homem são seus amigos. Quão maior for a profundidade e a qualidade das amizades feitas, maior será o proveito de nossa passagem pela vida. Recentemente tive de enfrentar uma situação difícil, a qual foi resolvida com o apoio de amigos preciosos.

Ao lado de estarem ao meu lado nessas horas sombrias, essas pessoas também me deixaram pedacinhos de suas experiências pessoais - verdadeiras lições de como levar uma vida menos tormentosa.

Hoje de manhã tive uma conversa com uma amiga que muito me auxiliou nos últimos tempos. A conversa iniciada por amenidades logo chegou a profundidades só acessíveis a pessoas que se compreendem.
Minha interlocutora então me contou sobre uma teoria (que depois vim descobrir se tratar da teoria da janela de Joharti), para a qual nossa identidade seria como uma janela dividida em quatro partes: uma parte da janela representaria aqueles elementos de nosso ser que estão visíveis para nós mesmos e para as demais pessoas; outra parte representaria aquilo que só nós conseguimos visualizar sobre nós mesmos; uma outra parte representaria aquilo que só as outras pessoas conseguem visualizar sobre nós; e a última parte da janela simbolizaria o completo desconhecimento, aquilo que não é visto nem conhecido por ninguém (sequer por nós).

O interessante, segundo minha leitura (ou segundo meu desvirtuamento) dessa teoria, seria a noção de que quanto maior for a parte que os outros conseguem conhecer de nós, menor será a parte que simboliza o completo desconhecimento sobre nosso self. Em outras palavras, o conhecimento do outro sobre nós (quando permitimos sejamos conhecidos de verdade), ajuda a dirigir um pequeno feixe de luz sobre nossos sentimentos mais indecifráveis.

Assim, de bons relacionamentos extraímos lições para nos conhecermos e vivermos melhor, assim bons amigos são nossa maior riqueza...

Interlúdio

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.


Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.

(CM).

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O som de meus passos

Semana passada, cheguei de um dia absolutamente improdutivo de trabalho. Todas as tarefas e compromissos haviam se frustrado. Ao entrar em casa, como quisesse compensar as tarefas que não realizara, continuei usando meus sapatos, ao invés de calçar um par de tênis confortável. O som daqueles sapatos sérios pisando no piso frio - toc, toc, toc, toc - parecia conferir uma formalidade à minha presença em casa, como se eu pisasse no chão de um grande escritório e estivesse prestes a fazer algo relevante...

Era uma sensação boa, e de fato continuei de sapatos em casa, mas não realizei nada digno de nota naquele dia. A não ser recordar que alguns anos atrás havia tido uma sensação parecida: sentira que o som de meus passos me dizia algo importante.

Lembro de estar descendo pelas ruas silenciosas de um sábado à tarde rumo a minha antiga casa. O som do solado dos meus sapatos no cimento da calçada era tudo que eu ouvia naquele momento, certamente por olhar para meus pés enquanto caminhava e por não pensar em mais nada.

Então me ocorreu que minha existência se resumia ao som de meus passos. Mais do que isso: aquele som provava que eu estava vivo e me dizia que era necessário continuar caminhando. Enquanto eu caminhasse, tudo estaria bem...

Depois daquele dia, nunca mais tive aquela sensação. Mas hoje compreendo o ensinamento do som de meus passos e vejo a importância de continuar caminhando, pois todas as boas mudanças que sucederam em minha vida só ocorreram porque não estanquei minha marcha em face dos tantos medos paralisantes que me perseguem; só ocorreram porque não deixei de caminhar...

Embora os passos errados, os passos incertos, o passos em círculos, caminhei, a vida mudou, e me sinto feliz...

 

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Justifique meu amor


Jantando, para amenizar o silêncio (não costumo fazer isso; gosto do silêncio), liguei a televisão. Como não desejasse assistir a nada sério, fui para o canal de clipes. De repente, entre pedaços de pão, escutei justify my love, da Madonna.

Não tenho predileção específica pela Madonna, mas gostei muito de ouvi-la sussurrar: justifique meu amor...

Devaneios alimentares (aquele requeijão estava mesmo com uma aparência alucinógena) me fizeram compor uma cena em que eu, com olhar lânguido, diria isso a uma bela mulher: justifique meu amor!

Retornando dos devaneios, quis entender qual o significado de "justificar o amor", porque, a rigor, o amor é, por razões óbvias, sempre justificado. Amar é um processo natural (naturalmente doentio, diria Freud) pelo qual o olhar do ser amado nos torna menos faltantes (pra não dizer ilusoriamente completos). Amar preenche nossos buracos existenciais e, em suma, essa é uma justificativa suficiente. Logo, não faria sentido dizer para alguém "justifique meu amor..."

Bem, na verdade faria.

Dentro dos possíveis sentidos a serem construídos, elaborei um com auxílio do dicionário Oxford.

Para o dicionário Oxford (http://oxforddictionaries.com/definition/justify), uma das definições de "justify" é "be a good reason for".

Nesse caso, faz mesmo sentido dizer "seja uma boa razão para meu amor".

Porque o amor até pode ser, abstratamente falando, sempre justificado. Mas ele vale a pena mesmo quando encontramos alguém que seja uma boa razão para amar.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Summertime - ou sobre ter um blog

Ter um blog é algo muito interessante. Você pode estar bêbado e postar algo que eventualmente pode ser o resultado de uma busca do google (!). Não que eu esteja assim alcoolizado. Não que não esteja. Whatever...

Summertime é um título suspeito, vindo do frio primitivo de Twin Peaks Medieval. Mas, o título do post era para ser "memória sonora".

Alguém aí tem memória sonora?

Pois bem, a pizza aquecia, o vinho desaparecia na taça, e tocou summertime no computador (ligado à tv, que estava ligada ao microsystem - vive la connexion HDMI !), então lembrei da primeira vez que havia escutado essa música.

Daí vem a pergunta: - Alguém consegue se lembrar quando ouviu pela primeira vez determinada música?

Bom, eu acho que tenho uma memória sonora, pois consigo me lembrar da primeira vez de várias músicas.

Woman, da Neneh Cherry, foi numa exibição do Free Jazz, exibido no multishow há uns 13 anos atrás... (falecido Free Jazz, a guerra anti-tabaco acabou com o patrocínio...) Era verão e estava em casa...

Mesma circunstância, quase mesma época, mas canal diferente (era o People&Arts, programa do Jools Holland), vi pela primeira vez Beth Gibbons (não sabia então o nome dela), sussurando Glory Box, do Portishead. Me lembro perfeitamente da melancolia despertada pela música naquelas altas horas de uma madrugada insone de verão de férias escolares.

Muito mais recentemente, correndo à margem de um rio (ou seria lago?) de uma capital desse país, tive  o primeiro impacto de escutar Starless, do King Crimson... Meu então colega de trabalho (e futuro grande amigo - M., abraço!!!) havia me passado em um pen drive (eles já existiam à época) o álbum Red. Coloquei no ipod recém adquirido (um que estragou ao ser lavado junto com a calça jeans!) e fui correr. Ao tocar Starless, lembro de ter corrido cada vez mais rápido, mais rápido, e ver chegar o final da corrida sem perceber... Sentei no cordão da pista esbaforido e ouvi o solo psicodélico e infinito, olhando pro rio (lago?) naquele dia ensolarado...

Summertime, já que o post é sobre ela, ouvi no rádio do carro de meu pai (quando ainda andava de carona com ele). Pra variar, estava esperando ele voltar de algum compromisso rápido (rápido? nunca foram breves as esperas no carro!). Enfim, havia pouco que comprara um cd pirata da Janes no camelô da cidade. Ouvi na rádio e me impressionei. A melancolia me lembrava o trip hop do Portishead, ouvido anos atrás naquela madrugada em meu quarto, no Jools Holland... Era meio-dia, ou algo assim. Cheguei em casa e fui escutar o cd pirata...

Sensações que não se perderam no tempo. Queria ter uma memoria assim para outras coisas... Me lembro agora do Ferreira Gullar, contando que voltou ao Chile do exílio, à casa em que morava em Santiago, e se deu conta de que as ruas, as paredes, as cidades, nada guarda o que vivemos... só nossa mente traz consigo essa vida vivida; já o mundo é indiferente a nossas histórias... é como se nunca houvessem existido...

Pra fechar bem esse post, inconcluso, maluco mesmo, anoto que o google do blog funciona muito bem. Me vali dele porque lembrava já ter citado um verso do Drummond. Digitei "conhaque" e recebi o que buscava. E é mesmo apropriado para esse momento - que essas paredes de meu quarto nunca recordarão:

"eu não devia te dizer, mas essa lua esse conhaque botam a gente comovidos como o diabo".

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Universos paralelos... (a partir de duas canções)

Se Alberto Caeiro não fosse um alter ego, e se Fernando Pessoa vivesse nos tempos de ipod, o "poeta do real" poderia estar em meu lugar hoje à tarde, quando olhei pro horizonte vazio de minha cidade e escutei "all you touch and all you see is all your life will ever be...".

Se eu meu carro fosse um navio, e se eu estivesse partindo, Bob Dylan poderia estar em meu lugar hoje à noite, quando liguei o rádio e escutei: "Oh I'm sailin' away my own true love, I'm sailin' away in the morning...".


Os universos paralelos às vezes fazem tanto sentido...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Pelo campo de centeio

No frio primitivo da minha Twin Peaks medieval, terminei "O apanhador no campo de centeio".

Uma reflexão me exigiria mais do que posso dispor agora. Assim recorto uma parte importante, pra compartilhar (às vezes apenas contemplar é melhor do que analisar, não?).

Quem começa falando é Holden Caulfield, o protagonista (ele tem dezessete anos e está conversando com sua irmãzinha):


"Você sabe o que eu quero ser? - perguntei a ela. - Sabe o que é que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha?
- O quê? Para de dizer nome feio.
- Você conhece aquela cantiga. 'Se alguém agarra alguém atravessando um campo de centeio'? Eu queria...
- A cantiga é 'Se alguém encontra alguém atravessando um campo de centeio"! - ela disse. - É dum poema do Robert Burns. 
- Eu sei que é dum poema do Robert Burns.
Mas ela tinha razão. É mesmo 'Se alguém encontra alguém atravessando um campo de centeio'. Mas eu não sabia direito.
- Pensei que era 'Se alguém agarra alguém' - falei. - Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto - quer dizer, ninguém grande - a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho que fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olha onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarra o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia se só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice."

domingo, 11 de julho de 2010

Sabor fruta (ou divagações a partir de um chiclete)

Dia desses fui ao mercadinho. Pedi um chiclete, "de que sabor", perguntaram. Olhei rapidamente para o único exemplar à venda, li a indicação estampada na embalagem e respondi: "sabor fruta". Gentilmente me foi alcançado o chiclete. Cheguei em casa e fui conferir se não havia me enganado: "sabor fruta"? 

Sim, a informação estampada na embalagem sobre o sabor do chiclete era essa, e tão-somente essa: "sabor fruta". Não era "fruta disso" ou "fruta daquilo" era simplesmente "sabor fruta". Li todas as letras diminutas da embalagem. Nada indicava afinal qual era a fruta que dava sabor à goma. 

Peço licença à fabricante pra transcrever:

"Goma de mascar de valor calórico reduzido sabor fruta. Colorida artificialmente. Chicle reducido en calorias sabor a fruta".

No verso, nem sinal de alguma maçã pêra pêssego nos ingredientes.

Meditei sobre o ocorrido. Conclusão: o mundo ruma à síntese absoluta. A internet nos fez abreviar a comunicação de uma forma radical e isso transcendeu o ciberespaço. Temos urgência em sintetizar tudo, reduzir ao máximo os símbolos ordinários, pois quanto menos palavras se escreve, mais rápido se digita. O ideal é chegar-se um dia ao símbolo que diz tudo: dirá ao mesmo tempo, com uma única tecla, "oi", "tudo bem", "quero te ver" e responderá a si mesmo "oi", "vou bem" "a que horas?".

O tutti-fruti era um símbolo grande demais, até mesmo para designar o sabor de um reles chiclete. Hoje tutti-fruti é over. Por isso acabou. Deu lugar a um genérico, perturbador e enigmático: sabor fruta.

domingo, 4 de julho de 2010

Melhor não pensar

Benjamin Button. Talvez já houvesse pensado nisso. Talvez alguém houvesse me dito algo parecido. Mas me chocou um tanto pensar como a infância e a velhice são duas pontas de uma mesma linha. Das fraldas às fraldas, da dependência de terceiros à dependência de terceiros. Por isso nascer velho e morrer jovem é menos absurdo do que parece. O vazio da mente do bebê e o vazio da mente esclerosada não são tão diferentes. Se nascecemos velhos e rumassemos à infância seria tão doloroso quanto é a ordem inversa. O que subjaz a essa dor é uma mesma certeza: nada é eterno, tudo desaparece...

E sobre a dor da finitude temos de construir o que há entre essas duas pontas. Melhor não pensar.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

De bullies a pitboys

Última quarta, em uma festa em um lugar absolutamente civilizado, um desconhecido, no empurra-empurra-de-um-lugar-pequeno-com-gente-demais, me interpelou abruptamente: "não me empurra, babaca..." Ao que respondi: "não empurra você..." E o colóquio seguiu-se por mais algumas trocas de ameaças e ofensas, culminando em um "vai te f..."

Saí daquela situação pensando na brutalidade absurda da vida. Como, em uma questão de segundos, tudo pode virar de ponta cabeça: um momento de alegria pode acabar em tristeza. Minha imaginação já me levou para a hipótese de aquela conversa terminar em briga, de a briga terminar na polícia, e de tudo parar na imprensa marrom...

Interessante foi eu ter me deixado levar pela brutalidade da situação, ainda que por alguns instantes. Com certeza não sopesei minimamente o que podia perder em responder qualquer coisa a uma pessoa brutalizante.

Sim: as pessoas que estão dormindo o sono da razão (parafraseando Goya), como aquele indivíduo naquela festa, tendem a espalhar brutalidades pelo mundo, logo são brutalizantes.

Não preciso descer a minúcias para explicar como se comportam os indivíduos brutalizantes, todos os conhecem - de bullies a pitboys -, mas me parece que todos eles tendem a se apoiar em uma pseudo-autoridade, comumente ligada à força física ou ao poder econômico, que funciona no fundo como um disfarce à auto-estima patologicamente debilitada. Assim é através da violência contra o outro que aquela criança carente de amor parental consegue se sentir existente no mundo...

Ou...

...ou nada disso faz sentido, e não há de fato explicação razoável para pessoas que se comportam brutalmente com as outras, afinal, como diz Ferreira Gullar, a justiça é moral; a injustiça não.

p.s.: brutalizante aparece grifado em vermelho no editor do meu blog; e as opções de palavras semelhantes são: "brutamonte", "brutalmente" e "anabolizante"... Coincidência? 

sábado, 19 de junho de 2010

Nascimento e morte de um post

Ontem, 18/06/2010, por volta das 16 horas, acessei o blog e verifiquei haver dois comentários sobre o post “o preço da segurança II”.

Em um dos comentários, havia uma sugestão de retificação ao texto do post. Constatei a procedência da sugestão, e decidi corrigir o erro tão-logo fosse possível. Naquele momento, ainda sem sabê-lo, dei o passo inicial que culminaria no nascimento e na morte de um post.

No mesmo dia, por volta das 19h30, reli os dois comentários; fiz a correção necessária no post“O preço da segurança II” e achei interessante escrever um texto sobre juventudeequilíbrio e desequilíbrio, inspirado na frasereaprender a equilibrar o desequilibro”, contida no comentário de Savatelha ao mesmo post.

Em agradecimento às palavras dos dois leitores, adicionei, às 19h56m, um post chamado “Comentários”. 

Quem o ler, perceberá que naquele momento minha mente engravidou da ideia de um post.

Mais tarde, na madrugada do dia 19/06/2010, adormeci pensando no texto que escreveria ao acordar. As palavras “juventude, equilíbrio e desequilíbrio” habitaram meus sonhos.

Despertei de um sono inquieto e pouco. Almocei e fui à siesta. Eram 14h30m do dia de hoje. Ia relaxando ao som de "tonight, tonight", quando um trecho da música fixou-se: “in the resolute urgency of now”. Ainda na cama, mas sem o propósito da siesta, o texto de um post começou a ser gestado em minha mente...

“A urgência resoluta do agora”. Achei que esse poderia ser o título. Pensei em falar sobre a necessidade que nos impomos de viver todas as "boas" oportunidades da vida no momento presente, em obediência à “urgência resoluta do agora”.

Falaria que ser jovem é estar pressionado pela mão invisível da cultura de massa, que nos empurra para a fruição plena e imediata de todos os prazeres. Ser jovem é ter de viver no desequilíbrio constante de uma cultura que nos cobra o cumprimento de um único imperativo: o gozo absoluto.

Mas, para escrever isso, eu desejei um subsídio poético. Então me lembrei de um poema de Drummond sobre a velhice. Apenas um verso me veio à cabeça: um mergulho no lenho dócil. Deixei a cama e vim ao computador. Digitei o verso no Google. O poema apareceu dentro uma dissertação de mestrado chamadaCORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO”. Comecei a ler o texto e me impressionei com o quanto ele falava ao meu coração. Achei que poderia usá-lo para escrever mil posts sobre juventude, equilíbrio, tempo, velhice, morte...

Lembrei então da morte do Saramago. Pensei: “como pode? ele parecia bem mais jovem na capa de ‘Todos os Nomes’...”

me dei conta de haver comprado esse livro em 1999. Meu deus, 11 anos! Ele era mesmo mais jovem – e eu também o era...

Quando senti se materializar o decurso de 11 anos da minha vida, não consegui mais escrever sobre juventude, equilíbrio e desequilíbrio.

O post havia morrido.

E por não suportar o peso de seu cadáver em meus braços, vim sepultá-lo publicamente, às 18 horas do dia 19 de junho de 2010.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Comentários

O comentário de Gustavo ao último post me mostrou que troquei os sinais nas fórmulas apresentadas. Agradeço  não só por oportunizar a retificação quanto por haver lido o texto, motivo de felicidade para qualquer filósofo amador.

Em relação ao comentário de Savatelha, sinto que a frase "reaprender a equilibrar o desequilíbrio" merece uma análise mais aprofundada de minha parte, tarefa a qual me dedicarei no próximo post...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O preço da segurança II

Millôr fala na eterna chateação pela obediência irrestrita a cautelas excessivas (ver último post). Não se expor a riscos pode ser a saída para se viver longos anos. Mas o custo dessa diminuição de riscos não é, em si mesmo, um risco de infelicidade?

Tenderia a dizer que sim. Mas não há uma resposta correta, poisquem se contente em não atravessar a rua, não viajar de avião, não sair à chuva.

Se você não se enquadra nessa situação de se contentar com o tédio, talvez pudesse se valer da equação existencial que segue (sendo “danoqualquer revés potencialmente doloroso e “chance de ser felizqualquer aumento no grau de felicidade):

risco de dano ≤ chance de ser feliz = vai nessa

risco de dano ≥ chance de ser feliz = segura sua onda

Se a aplicação prática dessas equações não surtir o efeito desejado, estará provado que não adianta equacionar nada (a avaliação risco/ganho é inútil em termos existenciais), logo é inútil se evitarem os riscos, logo a busca da felicidade é única e imperativa regra...

terça-feira, 8 de junho de 2010

O preço da segurança

Como uma amiga houvesse me perguntado “tudo bem? tudo bem, mesmo?” após ler o último post, resolvi desde logo escrever outro, este inspirando melhores humores.

Trata-se, em verdade, de uma citação colhida a esmo em um livro de estimação.

Mas não apenas uma citação, pois o texto é de Millôr Fernandes, escritor a quem não se pode atribuir qualquer predicado restritivo.


“Realmente, se você não atravessar a rua dificilmente será atropelado, se não entrar num avião é quase impossível que morra num desastre de aviação, se evitar correntes de ar terá menos resfriados, se não prevaricar manterá mais firmemente a harmonia do lar, se não beber cometerá menos desatinos, se gastar menos do que ganha terá sempre uma reserva para os dias difíceis, uma vida muito mais segura do que do estróina e pródigo. O preço da segurança é a eterna chateação”.


(Dos Riscos de Existir. Conversa com Rubem Braga. 1971)

domingo, 6 de junho de 2010

Limitações reais. Limitações imaginárias.

Existe uma cena em um filme do Woody Allen – de cujo nome confesso não lembrar, embora suspeite seja “celebridades” – em que uma noiva está no altar, prestes a se casar com um homem aparentemente honesto, aparentemente fiel e aparentemente muito apaixonado por ela.

A protagonista da cena, no momento do sim, abandona o altar e sai correndo porta afora. Vagueia pela rua e entra na casa de uma quiromante, a quem explica ter acabado de deixar para trás aquele que poderia ser o homem da sua vida.

Poderia, pois certeza a noiva não tinha, e por isso desistira no último instante.

Mais do que isso, a noiva pensava que tinha de haver algo de errado com o noivo, justamente por ele parecer alguém tão cheio de virtudes e tão diferente das pessoas com quem ela se relacionara até  então. Tinha de haver algo de errado porque ele parecia perfeito para ela

A quiromante a mão da noiva e lhe tranqüiliza, dizendo para procurar o noivo abandonado, pois ele a amava e a aceitaria de volta.

Como profetizado, o casal vem a se reencontrar tempos depois e a se casar finalmente. Vivem um relacionamento feliz.

A cena deixa claro: a noiva acreditava piamente não merecer a sorte de haver encontrado alguém que verdadeiramente a amava.

E assim pensava não apenas porque seu último casamento fracassara; ou porque seu ex-marido (com quem fora casada por 20 anos) a ignorava e a traía.

Isso acontecia porque aquela mulher fora “educada”, principalmente pela família e pela religião (temas recorrentes para Allen), para acreditar que não merecia receber a felicidade em sua vida. Esta seria destinada a poucos bem-aventurados, aos integrantes de uma casta a qual ela não pertencia (como seus pais não pertenceram).

Como supunha não ser merecedora de algo bom, a noiva inconscientemente teve de imaginar existir algo de ruim atrás das boas aparências, teve de imaginar que o fracasso viria mais cedo ou mais tarde, ainda que as circunstâncias (as boas impressões emanadas do noivo) indicassem exatamente o contrário.

Isso me faz pensar: quais das nossas limitações são reais e quais são imaginárias? 

Quando não nos aproximamos de algo que desejamos, porque desde logo nos imaginamos incapazes de alcançar o objeto de nosso desejo, será que não estamos colocando uma interdição imaginária à nossa felicidade? Não estamos interditando o nosso desejo simplesmente por nos acharmos indignos da felicidade que satisfazê-lo pode nos proporcionar?

Quando estamos próximos de conquistar algo desejado, mas supomos que alguma desgraça imprevista acontecerá e nos privará da felicidade, não estamos nos comportando como essa noiva de Allen?

No filme, a fuga do altar (fuga da felicidade) foi remediada adiante, mas na vida real nem sempre há uma segunda chance...


domingo, 30 de maio de 2010

Ninguém nos tira o vivido

Hoje é dia de indicações.

A primeira veio de alguém especial, e, tendo sido absolutamente aprovada (a indicação), repasso-a aos interessados em boa leitura: o texto "nadie te quita lo vivido", da psicanalista Diana Corso.

Foi publicado na Zero Hora de 26.05.2010. Ligação:

http://wp.clicrbs.com.br/terradonunca/2010/05/26/nadie-te-quita-lo-vivido/?topo=77,1,,,,77

A segunda indicação é minha última aquisição: Ferreira Gullar, Toda Poesia, da Ed. José Olympio. Obra da qual extraio:


A Alegria


O sofrimento não tem
nenhum valor.
Não acende um halo
em volta de tua cabeça, não
ilumina trecho algum
de tua carne escura
(nem mesmo o que iluminaria
a lembrança ou a ilusão
de uma alegria).


Sofres tu, sofre
um cachorro ferido, um inseto
que o inseticida envenena.
Será maior a tua dor
que a daquele gato que viste
a espinha quebrada a pau
arrastando-se a berrar pela sarjeta
sem ao menos poder morrer?


             A justiça é moral, a injustiça
não. A dor
te iguala a ratos e baratas
que também de dentro dos esgotos
espiam o sol
e no seu corpo nojento
de entre fezes
             querem estar contentes.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

diálogos impossíveis

Diálogos impossíveis.

Vizinho bate à porta.

_ Olá, sou seu vizinho do 901. Desculpe incomodar a essa hora, mas do meu apartamento ouço a música que toca no seu cd player... É só pra dizer que eu também curto Pink Floyd e acho que Time tem mesmo que ser ouvida no último volume...

ou

_ Olá, sou seu vizinho. Vi que você estava escutando Eleanor Rigby, que  por sinal é minha música favorita. É que eu comprei um box importado com toda discografia dos Beatles e não tenho tido tempo pra escutar, então se você quiser emprestado...

ou

_ Olá, cara, beleza? Moro no apê do final do corredor. Vi que você tava tocando guitarra com o ampli a mil... Eu toco baixo. Sou parceiro para fazer um blues...

ou, por fim

_ Meu caro vizinho, bati à sua porta só para dizer que percebi o seu semblante angustiado hoje no elevador.   Talvez esse livro do Sartre possa lhe ajudar...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

livros na estante

Hoje fui a uma palestra com o um psiquiatra. Enquanto a platéia fazia perguntas, um amigo ao lado me falou sobre um "universo sublime", referindo-se à ampla gama de assuntos interessantes que estavam sendo abordados pelo palestrante, a maioria deles relacionados à psicanálise. Concordei imediatamente, e gostei do "universo sublime".

Em determinado momento, o palestrante disse que precisamos de duas coisas elementares: receber amor e aprender a nos decepcionarmos... Citou Neruda: "vivi para amar e partir..."


Ao chegar em casa, olhei para a estante dos livros de trabalho, e pensei: tanta leitura até hoje, e tão pouco interesse verdadeiro.

Pra ser feliz, talvez minha estante devesse conter outros livros...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Se não quiséssemos ser tão bons....

Se não quiséssemos ser tão bons, poderíamos ser muito melhores.

(Freud, aqui com leve alteração na ordem)


Confesso que escrever no blog tem sido difícil para mim nos últimos tempos. Em primeiro lugar, porque estou dedicado a uma empreitada profissional (ia escrever "vocacional") sem precedentes na minha vida. Em segundo lugar...

Bem, não posso afirmar com certeza qual é o outro motivo que vem me impedindo de me dedicar a essa atividade que, nos tempos de Ilha Metafórica (parece que isso foi há uma reencarnação atrás!), me foi tão especial.

Mas diria que tem a ver com um alto grau de autoexigência que venho me impondo recentemente. Explico.

Recentemente, passei por uma mudança de cidade (again) e por uma mudança de atividade profissional - embora ambas as mudanças ainda não tenham se consolidado e não sejam definitivas.

O fato é que essas mudanças configuraram uma passagem para uma posição que exige maior responsabilidade, ao menos sob um prisma bastante específico: o profissional.

E essa responsabilidade a ser assumida talvez venha exercendo uma pressão invisível na conformação de meu próprio espírito, engendrando, digamos assim, uma nova versão de mim mesmo: uma versão que se autoalimenta de uma cobrança exagerada por uma excelência de resultados nos mais diversos âmbitos.

É como se a exigência de maior responsabilidade em uma esfera específica (a profissional) se desgarasse do universo burocrático a que deve ficar confinada e estendesse seus tentáculos sobre áreas de minha vida em que não é preciso (e nem se deve) ser tão sério, nem tão responsável... como aqui nesse blog...

(Insight:)

Conviver com nossas limitações parece significar conviver com as limitações ao nosso desejo...

Não sei se coloco um ponto de exclamação ou de interrogação nessa frase, mas ela me faz refletir sobre a autoexigência, a autocobrança por um desempenho exemplar.

Talvez isso decorra de uma miopia pessoal que me faça imaginar que um ser sem limitações de capacidade ou desempenho seja um ser sem limites para seu desejo. Como se, ao superar alguma limitação que nos caracteriza (e nos torna humanos), derrubássemos uma barreira ao nosso desejo, de forma que a eliminação total de nossas imperfeições nos colocaria em total contato com o que desejamos. Nos colocaria, finalmente, na posse do que mais queremos...

domingo, 28 de março de 2010

Indignação

Acabo de terminar (acabar de terminar?) Indignação. É mais um livro que dei de presente e agora leio em empréstimo (alguém mais faz isso?).

Desejo um dia conseguir organizar suficientemente meus pensamentos e explicar como, desde o Complexo de Portnoy, me identifico tanto com os personagens de Roth...

Mas não vai ser agora. Porque agora preciso dormir, porque amanhã preciso cumprir compromissos, porque essa é a coisa certa a fazer...

... e isso é o que faria Marcus Messner - cuja retidão inflexível e cujo senso de dever lhe renderam, aos 20 anos, a narração post mortem de Indignação.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

"a existência precede e governa a essência"

Sentir-se oprimido pela liberdade para traçar qualquer rumo para a vida. Sentir angústia ao dar-se conta da falta de sentido para a existência de todas as coisas (inclusive de si próprio). Sentir o peso do desamparo, por não poder contar com um deus, ou com qualquer força que não seja a própria força interna do indivíduo.

Sentimentos que permeiam a condição de ser humano.

Todos eles têm uma certa explicação, uma certa "lógica", no existencialimo.

Dia desses bebi demais, e comprei "O Ser e o Nada", de Sartre. Então comecei a me deparar com algumas tentativas de explicação para sentimentos cotidianos, como a angústia de ter de tomar decisões.

Para Sartre, isso se deve ao fato de que as escolhas não apenas determinam nossa vida; elas são a nossa vida, pois "o homem é antes de qualquer coisa um projeto".

E nesse ato de escolher para viver, o homem vai criando sua essência.

Pois, diversamente dos demais seres, a existência do homem precede sua essência.

Uma caneta tem sua essência pré-definida antes de existir, e depois que existe, não pode alterá-la.

Já o homem não tem qualquer essência antes de existir (a não ser para aqueles que acreditam que o homem é produto de um deus, cuja essência já existiria na mente do criador).

Assim, por não possuir essência antes de existir, o homem a constrói à medida que vai existindo, e o faz pelas escolhas que toma.

"O homem surge no mundo e, de início, não é nada; só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si mesmo. Ora, isso implica também o fato de que o homem só se faz num constante projeto, num incessante lançar-se no futuro. Somente assim o homem irá se definir como ser existente e consciente de si mesmo. Lançado no mundo sem perspectivas pré-determinadas, o homem determina sua vida ao longo do tempo e descobre-se como liberdade, ou seja, como escolha de seu próprio ser no mundo. Eis a origem da angústia, do desamparo e do desespero". (de um texto que vale ser lido, em: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2009/10/31/a-existencia-precede-a-essencia-a-condicao-humana-em-sartre).

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sonhos

Sonhei que um furacão aparecia no horizonte, terrível e gigantesco. Aproximou-se e fez o prédio em que eu morava ruir no mar. Como estava dentro do meu apartamento, tombei junto com o prédio, afundando em águas turvas. Sobrevivi, e boiando como um náufrago pude ver que a parte da cidade em que eu morava havia sido devastada. Mas outra parte, uma parte rica e distante, continuava intacta. No meu sonho, essa parte intacta era a ilha de Manhattan.

Nada a ver com astros, zodíaco, presságio.

Apenas uma representação, uma coleção de símbolos. Um cenário em que nenhum elemento que o compõe tem o significado convencional, mas sim outro significado, único e pessoal, acessível apenas pelo inconsciente que o elaborou...

Quando acordei no meio da noite, já sabia o que o sonho significava.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

travelmeasia

Não sou de postar links, mas esse me pareceu valer a pena. É um amigo de uma amiga. O rapaz resolveu viajar por toda Ásia, com mochila nas costas e câmera na mão. As fotos valem a pena.

E dá vontade de viver como ele... solto pelo mundo...


http://www.travelmeasia.com/

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Fragmentos do dia

Dois fragmentos do meu dia...

Na cozinha. Pensei que pudessem haver três tipos de pessoas: as que sabem o que querem; as que pensam que sabem o que querem; e as que têm certeza que não sabem o que querem.

E você percebe que está bagunçado quando não consegue nem saber em que categoria se enquadra...

Na sala (mais tarde). Ouvia a música e um trecho insistiu em se apagar. Dizia "quando se anda em círculos, nunca se é bastante rápido".

Me fez pensar que quando intensificamos o ritmo, aceleramos a vida, e não chegamos a qualquer lugar, nosso caminho pode ser um círculo.

Nesse caso, melhor mudar a rota. Ou ir mais devagar, e aproveitar a vista...

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

INSUBORDINAÇÃO MENTAL

Antologia Poética do Drummond é meu livro de cabeceira há cinco anos. Achei que não havia nada nele que ainda não houvesse lido.

Hoje, passando os olhos sobre a parte final do livro (denominada “vida e obra”), percebi que isso não era verdade. Havia algo que nunca havia lido:


"Cronologia
1902 Nasce em Itabira do Mato Dentro, estado de Minas Gerais...
(...)
1919 Expulso do Colégio Anchieta por ‘insubordinação mental’.”



Aos 17 anos Drummond já mostrava a que veio ao mundo. Conseguiu ser expulso do colégio por “insubordinação mental”.

Seja lá o que isso significou na prática, reforça minha admiração pelo poeta.

Muito pouco é tão triste quanto não pensar por si mesmo....ser um “subordinado mental”...


“Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
(...)
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas de dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras”
– Elegia 1938.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Um barco mais leve

Tempos atrás, passeava com amigos por uma exposição naval e acabei por acaso em uma palestra do Amyr Klink. Não sabia da palestra, e me surpreendi por encontrar o autor de “Cem dias entre céu e mar” por mera coincidência.

O episódio me recordou de uma cena do “Cem dias...”. Alguns dias após deixar o porto de saída, já no meio do oceano atlântico, Amyr percebeu que a distância percorrida diariamente com seu pequeno barco a remo estava diminuindo com o passar do tempo, e que isso iria lhe impedir de alcançar o porto de chegada no tempo programado.

Percebeu também que a queda no rendimento estava atrelada a uma inesperada e crescente resistência do barco às águas do mar, como se algo lhe impedisse de flutuar livremente pelo oceano.

Então Amir se deu conta de que, com o passar dos dias, alguns crustáceos haviam aderido à parte submersa de seu barco e estavam causando a indesejada resistência ao fluxo da água.

A solução? Descer do barco e limpar o casco.

Sozinho, evidentemente, porque assim se faziam as primeiras viagens do navegador.

Com dificuldade e algum perigo (pois os crustáceos do casco atraiam pequenos peixes, e estes atraiam grandes tubarões), Amyr conseguiu desprender aquela crosta de seu barco, e se livrar da resistência indesejada. A partir dali, voltou a avançar com a velocidade necessária para chegar a seu porto.

Uma vez, na terapia, comentei sobre esse episódio.

Disse “muita coisa se prende a nossa parte submersa ao longo da vida, como no casco de um barco, e às vezes é preciso descer corajosamente e limpar a sujeira, para navegar livre da resistência desnecessária até o porto desejado”.

Se alguém me perguntasse qual o sentido da psicanálise, diria (com a generalização necessária para se construir qualquer metáfora): “nos ajudar a descer até a nossa parte submersa (enfrentando os perigos que lá existem), e nos livrar de pesos desnecessários que dificultam nossa viagem".