Todos os dias, faltando umas duas quadras para chegar em casa, eu inconscientemente tiro do bolso as chaves do apartamento, seguro-as na mão e vou caminhando assim até encontrar a porta esperada.
Faço isso ao meio-dia. Faço isso no final da tarde. E quase sinto o conforto dos meus chinelos com esse gesto de antecipar outro gesto: segurar as chaves antes de chegar, para abrir a porta de casa antes de estar lá.
Percebi nessa mania uma representação de algo maior na minha vida: meu anseio por estar sempre em um lugar em que ainda não cheguei.
Se parar pra pensar, sempre fiz isso. Quase sempre (raras foram as exceções) meu corpo estava em um lugar, mas minha mente já ia adiante.
Isso demonstra que sou uma pessoa insatisfeita? Ou simplesmente ambiciosa? Ou as duas coisas?
Não sei, mas por tentar sempre antecipar um momento desejado, pela força de querer alcançar um espaço à frente – me pergunto agora –, quanto coisa deixei passar pelo caminho?
Quanta coisa não vi à minha volta, simplesmente por não estar realmente presente, por não viver o momento vivido, mas tão-só o momento imaginado, anunciado...
Quando li a citação que abre “Ensaio sobre a cegueira”, me lembro bem, pensei como aquilo servia para mim –“Se podes olhar, vê. Se podes ver, enxerga”.
Dizem os psicanalistas que “o fim do desejo é a morte”; ou “estamos sempre desejando algo”.
Tudo bem. Até acredito que o constante desejar seja algo ínsito ao ser humano. Mas viver o presente apenas por conta do futuro desejado não me parece bom.
Não exageremos, meu caso não é tão ruim quanto parece.
Mas se pudesse, gostaria de ser como o personagem de “Al lado del camino”, que se contenta em abrir os olhos e estar vivo...
"Me gusta estar a un lado del camino fumando el humo mientras todo pasa
me gusta abrir los ojos y estar vivo
tener que vérmelas con la resaca
entonces navegar se hace preciso
en barcos que se estrellen en la nada
vivir atormentado de sentido
creo que ésta, sí, es la parte mas pesada " (Fito Paez).
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
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