"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

sábado, 18 de julho de 2009

Ligações mentais

Ontem coloquei "Pink Floyd Live in Pompeii" no dvd e fiz algumas ligações mentais, as quais me levam a escrever este post.

De início, ao ver Richard Wright e David Gilmour cantando Echoes, pensei que aquele era um belo retrato da juventude.

A identificação com a juventude foi estética e sonora: a barba espessa de Wright; o cabelo comprido de Gilmour (ambos à moda dos jovens setentistas); e uma interpretação intensa e poderosa da canção (como se as vozes viessem do alto de uma montanha, atravessassem um vale extenso e chegassem aos ouvidos de alguém situado a uns três quilômetros de distância...).

Depois dessa associação, pensei: "como o Richard Wright pode ter morrido? Não dá pra acreditar que ele morreu..."

A primeira ligação, creio seja óbvia, foi dos conceitos de força e intensidade com a ideia de juventude.

A segunda ligação mental foi entre a ideia de juventude e de imortalidade, pois, vendo Wright ainda jovem (em gravação de 37 anos atrás!), não pude acreditar que ele houvesse falecido (o que ocorreu há alguns meses).

Isso me levou a pensar: o que me faz ligar a ideias de intensidade, força e imortalidade à noção de juventude??? De onde vêm essas ligações mentais???

Tentando encontrar algum subsídio para responder a essas perguntas, procurei saber se existia algum mito antigo sobre juventude (a procura pelo mito talvez tenha sido sugestionada pela locação do show: Pompéia, Grécia, mitos...).

Digitando a expressão "juventude e mito" no Google, o primeiro link que apareceu foi o do artigo "A IDADE MÍDIA: UMA REFLEXÃO SOBRE O MITO DA JUVENTUDE NA CULTURA DE MASSA", da autora Letícia C.R. Vianna.

Parei a pesquisa por aí e fui ler o artigo. Dele extraí as seguintes conclusões:

a) minhas ligações mentais (acima relatadas) decorreram, em grande parte, da influência da "verdade da massa". A "verdade da massa" é que a juventude seria o ápice da realização humana, período em que se poderia gozar ilimitadamente - e sem o peso da responsabilidade - de todos os prazeres produzidos pela sociedade de consumo;

b) o enaltecimento da juventude é uma forma de negação da velhice e, consequentemente, uma negação da morte. O medo da morte gera esse apego indevido a algo que sabidamente é efêmero: a juventude biológica.

Depois dessas conclusões, parei de fazer ligações mentais.

"EU QUERIA TER o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em coisa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, refletido"

(Alberto Caeiro).

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Nove de chão

Como escrevi tempos atrás (vide o post "Adeus, Ilha Metafórica"), eu estava de mudança.

Hoje estabeleci residência em minha nova cidade: "Faltante".

Faltante não é exatamente feia, não é exageradamente pequena, nem tampouco é ruim de se morar.

O que chama atenção nela é uma estranha falta que paira no ar. Não são os semáforos (não há), não são os elevadores (não há), não são as imobiliárias (não há)... aqui falta algo mais, algo indecifrável e intangível, que perpassa toda a cidade como a névoa que baixa nos dias frios (e sempre é frio).

Mas o curioso é que meu anfitrião na cidade - que dela está se despedindo, após 4 meses de estada - me disse:

_ A cidade não é ruim; o único problema dela são os nove de chão...

Nove de chão são os quilômetros que se percorrem em uma estrada de chão batido pra chegar até aqui.

Essa afirmação me chamou atenção e me fez pensar: tomara que em breve em também possa afirmar, convicto, que a única coisa que falta à Faltante é o asfalto nos nove de chão...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

"Que sensação é essa?"

"Que sensação é essa, quando você está se afastando das pessoas e elas retrocedem na planície até você ver o espectro delas se dissolvendo? - é o vasto mundo nos engolindo, e é o adeus. Mas nos jogamos em frente, rumo à próxima aventura louca sob o céu".

Jack Kerouac, On The Road.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Como identificar um sádico...

Os dias recentes têm sido pródigos em eventos que permitiram reflexões filosóficas (algumas pretensamente sérias; outras um tanto prosaicas).

Aqui vai uma delas.

- Como identificar um sádico?

Sádico é quem se compraz com o sofrimento alheio, correto? Sim. Mas a simplicidade do conceito não assegura a identificação de uma manifestação sádica, pois o sádico geralmente se esconde atrás da sutileza de suas afirmações.

Tomemos como exemplo uma frase simples, muito ouvida por aí: "Fulano tem muito o que sofrer, para aprender a viver".

Essa frase até pode conter uma verdade em si: a de que o método empírico (tentativa e erro) muitas vezes assegura a evolução do indivíduo. Em simples palavras: às vezes é quebrando a cara que se consegue aprender a não repetir os errros.

Porém, para os sádicos, essa afirmação assume outra conotação.

Aqui, eu dividiria os sádicos em duas categorias: os conscientes e os inconscientes.

O sádico consciente, ao fazer tal afirmação ("tem que sofrer, para aprender"), não espera que "Fulano" aprenda alguma coisa com os sofrimentos naturais da vida. O sádico consciente espera apenas que "Fulano" sofra. E ponto final.

Ou seja, esses sádicos (e todos conhecemos algum) pensam no nível do "sofrer pelo sofrer", simplesmente porque desejam que determinadas pessoas (que eles escolhem por razões que só a psicanálise explicaria) passem por alguma espécie de dissabor.

Já os sádicos inconscientes não pensam nesse nível réles do "sofrer pelo sofrer". Eles apenas acreditam piamente na estapafúrdia teoria de que "só se conseguem as coisas na vida com MUITO.... [enchem a boca] sofrimento".

Isso tudo porque eles próprios passararam por algumas agruras para atingir algum objetivo, e, por isso, passaram a pressupor que todas as pessoas a sua volta necessitem, obrigatoriamente, vivenciar as mesmas situações para atingir um resultado semelhante...

Os sádicos inconscientes ignoram, contudo, a existência de múltiplos caminhos para se atingir um mesmo resultado; e ignoram também o fato de os indivíduos possuírem capacidades e aptidões distintas, razão pela qual alguns conseguem atingir determinado resultado sem muito esforço, enquanto outros precisam batalhar muito mais...

Porém, sejam conscientes ou inconscientes, os sádicos são, sobretudo, seres em conflito com sua autoimagem e inseguros com suas potencialidades.

É dizer, como não possuem uma autoestima que lhes permita alcançar o gozo por suas próprias ações, os sádicos vêem-se obrigados a gozar com o sofrimento alheio...

Não tendo pretensão de acertar, diria também que o sádico é alguém de afetos escassos ... pois não posso acreditar que alguém que tenha amor dentro de si, e receba amor de amigos e familiares, precise do insucesso alheio para ser feliz...