"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

domingo, 24 de março de 2013

Depois de Lucia - sadismo, barbárie e silêncio


Atordoado. Saí do cinema atordoado. Acabo de ver “Depois de Lucia”, filme do mexicano Michel Franco. A adolescente Alejandra sofre todo tipo de violência física e psicológica de seus coleguinhas de colégio: sádicos oriundos de famílias-pequeno-burguesas-encabeçadas-por-pais-negligentes-e/ou-igualmente-sádicos. Alejandra engole a seco a perseguição; ama seu pai que recentemente perdeu a esposa (mãe de Alejandra); quer protegê-lo.

A condução do filme é exímia: os diálogos com o diretor do colégio e com o investigador da polícia são um golpe na boca do estômago, e o soco inglês vem como a burocrática ineficácia de um sistema que não sabe lidar com a barbárie cotidiana praticada por esses animais que habitam os estabelecimentos de ensino. O ronco grave do motor da caminhoneta do pai de Alejandra, ao perseguir um dos algozes da filha, acelera o coração do espectador de sentidos menos embotados.

O filme só confirma minha teoria: o ser humano é por natureza sádico.

Comprazer-se com o sofrimento alheio é ínsito às criancinhas (que adoram machucar umas as outras, p. ex.), instinto inexplicável pela teoria da evolução, que só cessa pela intercessão firme e incondicional de pais presentes e que tragam em si essa interdição que, por sua vez, um dia receberam de seus pais...

Incrivelmente, rodam os créditos do filme e ouço no escuro vozes de espectadores jovens - de cabelos desgrenhados e aquele jeito descolado de “se hay gobierno soy contra” - que só conseguem formular uma afirmação rasa e impertinente: de que não lhes parecer plausível que uma adolescente (no caso, Alejandra) sofresse tanto sem relatar as sevícias a seu pai...

...Comentário da amplitude de suas visões bitoladas!

Vejam o filme e me digam se há implausibilidade em uma jovem vulnerável e enlutada ser escolhida como objeto do sadismo de seus colegas.

E, de mais a mais, que importa Alejandra silenciar sobre o que lhe acontece (embora sejam evidentes seus motivos)??? 

O que importa é o que lhe é imposto, e não seu silêncio...

Enfim, há que ser cego para não ver o que é mostrado como cerne do filme: o sadismo, cada vez mais sem contenção, cada vez mais divulgado (e visto) no you tube, cada vez mais superior aos meios de sancionamento, desses jovens sem ética, sem moral e sem humanidade, que um dia se tornam adultos de iguais predicados...