O cortador de grama
Uma janela grande. Duas persianas horizontais de
plástico; uma abaixada completamente, a outra, levantada, deixando
cerca de dois terços de visão para o lado de fora. Estou sentado na
cama, vejo folhas de um verde fresco em um galho de árvore que se
projeta do pátio vizinho em direção à rua – lembro de ter visto
essa árvore no inverno, com suas grandes folhas de um marrom quase
dourado; não conheço sua espécie, mas gosto de pensar que é um
plátano, porque gosto da sonoridade desse nome. Hoje o verde é
fresco, talvez porque tenha chovido há pouco, talvez porque a
primavera deve começar em alguns dias – ao menos no calendário. O
tempo ainda tem dias chuvosos, cinzas e frios, como ocorreu na maior
parte desse inverno longo e difícil. Voltei de uma viagem agradável
e cai no meio desse inverno impiedoso – aliás, mais um elemento de
estranhamento, porque às vezes sinto não pertencer a esse clima
frio, chuvoso e úmido. Enfim, as folhas dessa árvore tem esse
frescor primaveril, e o sol que sucedeu a chuva de mais cedo brilha
claro lá fora, tornando completamente azul o céu que figura no
fundo desse quadro emoldurado pela janela semiaberta. Há um murmúrio
vindo da rua e dos pátios vizinhos. O som de um compressor d'água ou
de um cortador de grama convida pra sair à rua, onde a vida está
acontecendo em seus eventos prosaicos: um jovem lava o carro do pai,
um outro apara o gramado.
Lembro de quando era jovem, e também
tinha a incumbência de cortar a grama de nosso jardim. Era algo
desagradável: um trabalho verdadeiramente braçal e difícil, em
especial pelo péssimo estado do cortador de grama, que devia pesar
mais do que eu à época, tinha quatro rodas plásticas endurecidas
que o tornavam praticamente incontrolável, e era bastante
ineficiente. Era, além de tudo, de um barulho exagerado. Penso
vagamente que não tenho mais obrigações braçais dessa natureza,
mas tenho obrigações muito mais exaustivas, como se cada dia
acordasse para conduzir um cortador invisível de grama, me
movimentando de forma arrastada e pesada por entre gramados gigantes,
constantemente atordoado por um barulho que não sei de onde vem,
incomodado com a poeira no olhos, parando aos poucos e arrancando
algumas ervas daninhas com a mão, e sempre pensando em quanto falta
pra terminar a tarefa do dia e finalmente descansar. Não sentia
prazer em cortar grama àquele tempo; e agora também só penso no
frescor primaveril das folhas desse plátano, cujo verde me convida
pra caminhar sem rumo, por entre caminhos ensolarados e sob um céu
azul e cálido.
Não vou. O cortador de grama me
espera.