Tempos atrás, passeava com amigos por uma exposição naval e acabei por acaso em uma palestra do Amyr Klink. Não sabia da palestra, e me surpreendi por encontrar o autor de “Cem dias entre céu e mar” por mera coincidência.
O episódio me recordou de uma cena do “Cem dias...”. Alguns dias após deixar o porto de saída, já no meio do oceano atlântico, Amyr percebeu que a distância percorrida diariamente com seu pequeno barco a remo estava diminuindo com o passar do tempo, e que isso iria lhe impedir de alcançar o porto de chegada no tempo programado.
Percebeu também que a queda no rendimento estava atrelada a uma inesperada e crescente resistência do barco às águas do mar, como se algo lhe impedisse de flutuar livremente pelo oceano.
Então Amir se deu conta de que, com o passar dos dias, alguns crustáceos haviam aderido à parte submersa de seu barco e estavam causando a indesejada resistência ao fluxo da água.
A solução? Descer do barco e limpar o casco.
Sozinho, evidentemente, porque assim se faziam as primeiras viagens do navegador.
Com dificuldade e algum perigo (pois os crustáceos do casco atraiam pequenos peixes, e estes atraiam grandes tubarões), Amyr conseguiu desprender aquela crosta de seu barco, e se livrar da resistência indesejada. A partir dali, voltou a avançar com a velocidade necessária para chegar a seu porto.
Uma vez, na terapia, comentei sobre esse episódio.
Disse “muita coisa se prende a nossa parte submersa ao longo da vida, como no casco de um barco, e às vezes é preciso descer corajosamente e limpar a sujeira, para navegar livre da resistência desnecessária até o porto desejado”.
Se alguém me perguntasse qual o sentido da psicanálise, diria (com a generalização necessária para se construir qualquer metáfora): “nos ajudar a descer até a nossa parte submersa (enfrentando os perigos que lá existem), e nos livrar de pesos desnecessários que dificultam nossa viagem".
domingo, 3 de janeiro de 2010
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