"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

terça-feira, 10 de agosto de 2010

O som de meus passos

Semana passada, cheguei de um dia absolutamente improdutivo de trabalho. Todas as tarefas e compromissos haviam se frustrado. Ao entrar em casa, como quisesse compensar as tarefas que não realizara, continuei usando meus sapatos, ao invés de calçar um par de tênis confortável. O som daqueles sapatos sérios pisando no piso frio - toc, toc, toc, toc - parecia conferir uma formalidade à minha presença em casa, como se eu pisasse no chão de um grande escritório e estivesse prestes a fazer algo relevante...

Era uma sensação boa, e de fato continuei de sapatos em casa, mas não realizei nada digno de nota naquele dia. A não ser recordar que alguns anos atrás havia tido uma sensação parecida: sentira que o som de meus passos me dizia algo importante.

Lembro de estar descendo pelas ruas silenciosas de um sábado à tarde rumo a minha antiga casa. O som do solado dos meus sapatos no cimento da calçada era tudo que eu ouvia naquele momento, certamente por olhar para meus pés enquanto caminhava e por não pensar em mais nada.

Então me ocorreu que minha existência se resumia ao som de meus passos. Mais do que isso: aquele som provava que eu estava vivo e me dizia que era necessário continuar caminhando. Enquanto eu caminhasse, tudo estaria bem...

Depois daquele dia, nunca mais tive aquela sensação. Mas hoje compreendo o ensinamento do som de meus passos e vejo a importância de continuar caminhando, pois todas as boas mudanças que sucederam em minha vida só ocorreram porque não estanquei minha marcha em face dos tantos medos paralisantes que me perseguem; só ocorreram porque não deixei de caminhar...

Embora os passos errados, os passos incertos, o passos em círculos, caminhei, a vida mudou, e me sinto feliz...

 

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Justifique meu amor


Jantando, para amenizar o silêncio (não costumo fazer isso; gosto do silêncio), liguei a televisão. Como não desejasse assistir a nada sério, fui para o canal de clipes. De repente, entre pedaços de pão, escutei justify my love, da Madonna.

Não tenho predileção específica pela Madonna, mas gostei muito de ouvi-la sussurrar: justifique meu amor...

Devaneios alimentares (aquele requeijão estava mesmo com uma aparência alucinógena) me fizeram compor uma cena em que eu, com olhar lânguido, diria isso a uma bela mulher: justifique meu amor!

Retornando dos devaneios, quis entender qual o significado de "justificar o amor", porque, a rigor, o amor é, por razões óbvias, sempre justificado. Amar é um processo natural (naturalmente doentio, diria Freud) pelo qual o olhar do ser amado nos torna menos faltantes (pra não dizer ilusoriamente completos). Amar preenche nossos buracos existenciais e, em suma, essa é uma justificativa suficiente. Logo, não faria sentido dizer para alguém "justifique meu amor..."

Bem, na verdade faria.

Dentro dos possíveis sentidos a serem construídos, elaborei um com auxílio do dicionário Oxford.

Para o dicionário Oxford (http://oxforddictionaries.com/definition/justify), uma das definições de "justify" é "be a good reason for".

Nesse caso, faz mesmo sentido dizer "seja uma boa razão para meu amor".

Porque o amor até pode ser, abstratamente falando, sempre justificado. Mas ele vale a pena mesmo quando encontramos alguém que seja uma boa razão para amar.