"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Justifique meu amor


Jantando, para amenizar o silêncio (não costumo fazer isso; gosto do silêncio), liguei a televisão. Como não desejasse assistir a nada sério, fui para o canal de clipes. De repente, entre pedaços de pão, escutei justify my love, da Madonna.

Não tenho predileção específica pela Madonna, mas gostei muito de ouvi-la sussurrar: justifique meu amor...

Devaneios alimentares (aquele requeijão estava mesmo com uma aparência alucinógena) me fizeram compor uma cena em que eu, com olhar lânguido, diria isso a uma bela mulher: justifique meu amor!

Retornando dos devaneios, quis entender qual o significado de "justificar o amor", porque, a rigor, o amor é, por razões óbvias, sempre justificado. Amar é um processo natural (naturalmente doentio, diria Freud) pelo qual o olhar do ser amado nos torna menos faltantes (pra não dizer ilusoriamente completos). Amar preenche nossos buracos existenciais e, em suma, essa é uma justificativa suficiente. Logo, não faria sentido dizer para alguém "justifique meu amor..."

Bem, na verdade faria.

Dentro dos possíveis sentidos a serem construídos, elaborei um com auxílio do dicionário Oxford.

Para o dicionário Oxford (http://oxforddictionaries.com/definition/justify), uma das definições de "justify" é "be a good reason for".

Nesse caso, faz mesmo sentido dizer "seja uma boa razão para meu amor".

Porque o amor até pode ser, abstratamente falando, sempre justificado. Mas ele vale a pena mesmo quando encontramos alguém que seja uma boa razão para amar.

Um comentário:

  1. Caro filósofo amador,
    Será que existe mesmo uma justificativa para o amor?
    Para haver justificativa, um quê de racionalidade deve gravitar em torno do núcleo justificador.
    Acho que o coração é terra de ninguém. Ama quando quer, quem quer e porque quer.
    Acho que Eros nasce e morre sempre de maneira imprevisível.

    Isso me fez lembrar de um poema de Pessoa:

    Tenho tanto sentimento
    Que é freqüente persuadir-me
    De que sou sentimental,
    Mas reconheço, ao medir-me,
    Que tudo isso é pensamento,
    Que não senti afinal.

    Temos, todos que vivemos,
    Uma vida que é vivida
    E outra vida que é pensada,
    E a única vida que temos
    É essa que é dividida
    Entre a verdadeira e a errada.

    Qual porém é a verdadeira
    E qual errada, ninguém
    Nos saberá explicar;
    E vivemos de maneira
    Que a vida que a gente tem
    É a que tem que pensar.
    Fernando Pessoa


    Um grande beijo,
    Carla

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