(...mais um post da série: "eu vi um filme...")
Assisti recentemente a dois filmes adaptados de livros: “Fatal” e “Amor nos Tempos do Cólera”.
Um fala sobre sexo e ciúme obsessivo, o outro, sobre amor sem fim. Nem precisaria dizer de qual eu gostei mais, mas vou dizer assim mesmo.
"Amor nos tempos..." é fraco. Não sei se Gabriel Garcia Márquez ficou satisfeito, mas eu não fiquei. O elenco é de interpretações pobres (salvo Javier Bardem) e o enredo se distancia do que o livro oferece de melhor: a crueldade cega e inata do amor.
Não tenho o meu exemplar aqui (se você, leitor, o tem emprestado, favor devolver...). Se o tivesse comigo, transcreveria exatamente as palavras com as quais a mãe do protagonista o adverte sobre as agruras da desilusão anunciada: “o reino do amor é um reino cruel e impiedoso, e nele só ingressam os homens de caráter resoluto, que infundem nas mulheres a segurança que elas precisam para viver...”
Essa não é a literalidade da citação, mas contém seu sentido mais relevante (se não me enganam os 15 anos que me separam da última leitura do livro).
Não adentremos no assunto infinito e sem consenso das expectativas femininas. O importante é que o protagonista do livro não tinha o "espírito resoluto" necessário para ingressar no reino do amor. E o resultado não foi outro: rejeição.
A rejeição, no caso, jamais sarou... O jovem (e aí vem o caráter de realismo-fantástico da história de Márquez) esperou 53 anos para ter em seus braços a mulher amada.
Ocorre que o filme se detém demais nessa longa espera do protagonista, e, assim, deixa de lado o mais impactante e verdadeiro na história do "Amor nos Tempos...": a crueldade com que o desejo de ser amado é destroçado pela não correspondência de amor.
A mulher pela qual o protagonista se apaixona à primeira vista corresponde-lhe, inicialmente, a afeição. Durante um ano inteiro, ela lhe envia, de outra cidade (para onde havia sido levada pelo pai, para esquecer o pretendente), cartas de amor e de promessas de casamento.
Um dia, no entanto, na primeira oportunidade em que se reencontram, ela simplesmente se dá conta de que não era aquilo que queria. E diz na lata do jovem apaixonado:
_ Isso (teu amor) é uma ilusão; nada existe entre nós, nem pode existir: percebi que não te amo.
A crueldade dessa rejeição – sorry, lovers– é o ponto mais forte do livro.
O amor pode ser facilmente alimentado, iludido, e, depois, dizimado. Exatamente como a cólera dizimava facilmente as vidas daqueles tempos...
Por que o ser humano é assim? Por que não se consegue amar a quem nos ama?
Essas questões angustiantes emergem naturalmente da cena da rejeição do jovem apaixonado. E tem espaço para crescer e serem pensadas no livro. Porém, esse efeito de fazer refletir é justamente o que falta no filme, já que nele tudo se amarra perfeitamente, especialmente a rejeição inicial que se amarra com o ato final de conquista da mulher amada.
Portanto, a questão não é de má adaptação do livro; o problema mesmo é falta de apreensão do sentimento que permeia a obra escrita.
Sentimento que, no caso de o “Amor nos Tempos do Cólera”, é de impotência frente à violenta e cega natureza do amor – que não escolhe destinatário, que não assegura felicidade, e, sobretudo, que não privilegia aqueles que acham que o merecem.
Bem diferente é a situação de “Fatal”, filme em que Isabel Coixet soube captar – em algum grau – o sentimento do ótimo “Animal Agonizante”, de Philip Roth.
Isso pode parecer pouco a quem não leu o livro, mas asseguro que a menor aproximação da obra de Philip Roth já é grande feito...
p.s. queria escrever sobre O Animal Agonizante, mas escrevi sobre o outro livro. De toda forma “O Animal...” merece um post só pra ele. Qualquer livro do Roth o merece. Quem sabe outra hora....
segunda-feira, 16 de março de 2009
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Mto bom texto... escreves mto bem!
ResponderExcluirFalou!