Acabei de ver “As sombras de Goya” (Goya’s ghosts). O filme vale pela personagem de Goya (em tudo que mostra o quão grande foi o artista) e também pelo relato (mais um) das crueldades pretéritas da Igreja Católica.
A princípio, aborrece o fato de uma história tão espanhola ser contada em inglês, mas no decorrer da película esse revés se dilui (e é compensado) pela atuação de Javier Bardem (esse, sim, devidamente espanhol). Se fosse resenhar, daria especial destaque à trilha sonora, que se funde harmoniosamente ao clima sombrio das obras do pintor.
A princípio, aborrece o fato de uma história tão espanhola ser contada em inglês, mas no decorrer da película esse revés se dilui (e é compensado) pela atuação de Javier Bardem (esse, sim, devidamente espanhol). Se fosse resenhar, daria especial destaque à trilha sonora, que se funde harmoniosamente ao clima sombrio das obras do pintor.
Mas não desejo resenhar. O desejo é de dizer o quanto tudo vem à propósito, quando estamos dispostos a fazer associações...
Posto de forma direta: quando algo nos perturba, todo o resto parece relacionar-se com o objeto da nossa perturbação.
Explico.
Não vou dizer que fiquei chocadíssimo com a notícia da menina pernambucana estuprada e grávida de gêmeos aos nove anos. A realidade de um mundo absurdo derruiu boa parte do meu sentido de espanto; só consigo agora lamentar.
Mas se já não logro alcançar o sentimento de surpresa em face de situações tão perversas, por outro lado não perdi o sentimento de raiva contra aqueles que conseguem, com sua insensibilidade brutal, piorar o que de per si já é horrível...
Falo do arcebispo de Olinda e de Recife, dom José Cardoso Sobrinho. Falo da igreja católica (mas, sinceramente, poderia ser qualquer outra igreja).
O sr. arcebispo, ao declarar, em reportagem amplamente veiculada na mídia, que a “lei de deus” (deus de quem?) exigia a continuidade da gravidez da menor, simplesmente deu a entender: dane-se a vontade da menina e de sua família!; danem-se a saúde e a psique da menina!; danem-se todos interesses pessoais envolvidos!; dura lex, sede lex!
Não bastasse isso, o “mandatário de deus” excomungou todas as pessoas que intervieram na interrupção da gravidez...
Ora, com atos como esse, a igreja católica bem fez jus à sua história: a história de uma instituição outrora criminosa.
Sim, criminosa! Pois as práticas do Santo Ofício e os ignóbeis processos inquisitoriais medievais não encontram melhor definição: atos criminosos.
Entendam que não estou a criticar o ato de fé, a crença pessoal ou qualquer outro sentimento alimentado por quem quer que seja.
Mas a questão é que em face dos sofrimentos por que certamente passou aquela criança pernambucana, o senso de humanidade e de razoabilidade impunham que a Igreja ou quem quer que fosse não piorasse a situação com críticas fundadas em crenças absolutamente pessoais (caso da fé em deus).
(Aliás, a mídia que me desculpe, mas seria muito melhor para o mundo se jamais se houvesse ouvido falar em Dom José Cardoso Sobrinho, se jamais se desse um segundo de atenção às suas declarações embrutecidas e estreitas, pois o revolvimento e o debate constante do caso contrariam a exigência (lógica) de resguardo da intimidade da menor abusada...)
Enfim, não vou me alongar... pois, como disse, a celeuma não merece ser prolongada.
Apenas vou atar as duas pontas do texto, sugerindo a todos uma experiência reflexiva: vejam o filme que mencionei no começo, “As Sombras de Goya”, e vejam logo em seguida (em qualquer site na net) a entrevista com as declarações do Arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho.
Depois, me digam: o que mudou desde a idade média? (acho que não foi muito, certo? mas ao menos o arcebispo não conseguirá incendiar a criança violentada...)
p.s.: certa vez, em uma exposição das obras de Goya (muito longe da Ilha...), li uma frase que não pude esquecer, e que bem resumiria nossos tempos:
“O sono da razão produz monstros”.
...e nossa razão parece adormecida para sempre...
Concordo quando diz q seria muito melhor para o mundo se nunca tivesse ouvido falar em Dom José Cardoso Sobrinho. Não acrescentou em nada...
ResponderExcluirTem que ler a entrevista que ele concedeu a Revista VEJA (nas famosas páginas amarelas) em que relatou estar “tranquilíssimo”. No entanto, o arcebispo precisou de uma equipe de cinco pessoas para acompanhá-lo no momento da entrevista, eram elas: uma psicóloga, um advogado, um médico e sua mulher, e um vigário. E veja só, fato que me chamou mais atenção... o arcebispo e, nenhuma das cinco pessoas ali presentes e tão envolvidas com o fato sabiam dizer ao entrevistador o nome da menina... acredito não há mais o que comentár...