"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A planta da infância

"Que culpa temos nós dessa planta da infância,
de sua sedução, de seu viço, de sua constância?"
(Jorge de Lima)

Não sei ao certo o que escrever... mas estou sob a influência de uma conversa que tive no último final de semana... e quando algo não sai da minha cabeça, é porque devo escrever sobre isso.

Bem, a conversa era sobre seguir o próprio desejo, a despeito de o quanto possamos ser criticados, censurados e mesmo excluídos por conta dessa decisão.

Quando minha interlocutora comentou que se sentia recriminada pela sociedade (e especialmente por sua mãe), eu respondi: o que importa é que você fez o que desejava, mas não pode ter a ilusão de “viver é indolor” (assumi que a frase “La ilusión de que vivir es indoloro” não era minha, mas do Jorge Drexler – Soledad).

Falei também que ninguém tem culpa de ser como é. A culpa, na verdade, é de nossos pais. Mas eles também não são culpados, os culpados são os pais deles, que os fizeram ser como são... e assim por diante, culpa transferida para as gerações anteriores, até remontar o primeiro pecado, o pecado original (que, dizem uns, não foi o ato de desejar, mas o ato de ter consciência de si, tomar pra si a sabedoria que só deus poderia ter...).

Enfim, ninguém tem culpa da planta da infância, como diria o Jorge de Lima.

Mas é claro que essa proposição (ninguém tem culpa da planta da infância) não significa transferir toda responsabilidade por nossa personalidade a nossos pais. Não é isso.

É apenas reconhecer que, no processo de formação do indivíduo, atua essa força suprema, avassaladora, personificada no pai e na mãe. A lei e o amor tomam corpo nessas pessoas que moldam, pro bem e pro mal, o barro informe da nossa psique infantil...

(não falarei de Freud; não quero ser chato: a psicanálise é tão fascinante quanto impopular nesse país).

O fato é que muito da nossa angústia pode ser extravasada quando identificamos a origem das questões de nossa personalidade – e a origem é quase sempre tão importante quanto remota...

Então, com esse texto cheio de reticências (como está a minha compreensão sobre as coisas), acho que estou dizendo que a vida, embora não seja indolor (como canta o Jorge Drexler) pode ser menos tormentosa, menos opressora.

Mas pra isso é necessário navegar em águas mais profundas...

“Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor...

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”

(Fernando Pessoa).

Um comentário:

  1. Em um dos seminários de Lacan ele postula que a única culpa que devemos sentir é a culpa por nao termos seguido nossos desejos... Falou cara!

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