"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

terça-feira, 27 de julho de 2010

Summertime - ou sobre ter um blog

Ter um blog é algo muito interessante. Você pode estar bêbado e postar algo que eventualmente pode ser o resultado de uma busca do google (!). Não que eu esteja assim alcoolizado. Não que não esteja. Whatever...

Summertime é um título suspeito, vindo do frio primitivo de Twin Peaks Medieval. Mas, o título do post era para ser "memória sonora".

Alguém aí tem memória sonora?

Pois bem, a pizza aquecia, o vinho desaparecia na taça, e tocou summertime no computador (ligado à tv, que estava ligada ao microsystem - vive la connexion HDMI !), então lembrei da primeira vez que havia escutado essa música.

Daí vem a pergunta: - Alguém consegue se lembrar quando ouviu pela primeira vez determinada música?

Bom, eu acho que tenho uma memória sonora, pois consigo me lembrar da primeira vez de várias músicas.

Woman, da Neneh Cherry, foi numa exibição do Free Jazz, exibido no multishow há uns 13 anos atrás... (falecido Free Jazz, a guerra anti-tabaco acabou com o patrocínio...) Era verão e estava em casa...

Mesma circunstância, quase mesma época, mas canal diferente (era o People&Arts, programa do Jools Holland), vi pela primeira vez Beth Gibbons (não sabia então o nome dela), sussurando Glory Box, do Portishead. Me lembro perfeitamente da melancolia despertada pela música naquelas altas horas de uma madrugada insone de verão de férias escolares.

Muito mais recentemente, correndo à margem de um rio (ou seria lago?) de uma capital desse país, tive  o primeiro impacto de escutar Starless, do King Crimson... Meu então colega de trabalho (e futuro grande amigo - M., abraço!!!) havia me passado em um pen drive (eles já existiam à época) o álbum Red. Coloquei no ipod recém adquirido (um que estragou ao ser lavado junto com a calça jeans!) e fui correr. Ao tocar Starless, lembro de ter corrido cada vez mais rápido, mais rápido, e ver chegar o final da corrida sem perceber... Sentei no cordão da pista esbaforido e ouvi o solo psicodélico e infinito, olhando pro rio (lago?) naquele dia ensolarado...

Summertime, já que o post é sobre ela, ouvi no rádio do carro de meu pai (quando ainda andava de carona com ele). Pra variar, estava esperando ele voltar de algum compromisso rápido (rápido? nunca foram breves as esperas no carro!). Enfim, havia pouco que comprara um cd pirata da Janes no camelô da cidade. Ouvi na rádio e me impressionei. A melancolia me lembrava o trip hop do Portishead, ouvido anos atrás naquela madrugada em meu quarto, no Jools Holland... Era meio-dia, ou algo assim. Cheguei em casa e fui escutar o cd pirata...

Sensações que não se perderam no tempo. Queria ter uma memoria assim para outras coisas... Me lembro agora do Ferreira Gullar, contando que voltou ao Chile do exílio, à casa em que morava em Santiago, e se deu conta de que as ruas, as paredes, as cidades, nada guarda o que vivemos... só nossa mente traz consigo essa vida vivida; já o mundo é indiferente a nossas histórias... é como se nunca houvessem existido...

Pra fechar bem esse post, inconcluso, maluco mesmo, anoto que o google do blog funciona muito bem. Me vali dele porque lembrava já ter citado um verso do Drummond. Digitei "conhaque" e recebi o que buscava. E é mesmo apropriado para esse momento - que essas paredes de meu quarto nunca recordarão:

"eu não devia te dizer, mas essa lua esse conhaque botam a gente comovidos como o diabo".

2 comentários:

  1. Olá

    Nossa, tenho uma memória sonora muito forte, é incrível!
    quando escuto música tenho o costume de pensar sobre ela, tentar lembrar quando ouvi pela primeira vez, em qual situação e pq ela é ou não marcante pra mim :)
    As vezes, algumas me marcam tanto que somente ao ouvir a introdução, ou os primeiros segundos, lembro imediatamente, quase como se fosse transplantada ao momento exato em que a escutei pela primeira vez.

    Isso é incrivelmente bom, e estranho também..
    Gostei do blog
    Parabéns!

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  2. Starless é daquelas músicas que, quando estamos dentro de nós mesmos sentimos a mão forte da ansiedade puxar todas as coisas estranhas de dentro de nós...
    É uma experiência única... Ainda mais quando se está ao ar livre, sentido a energia do sol e da água...
    Imagino a tua sensação, meu velho!
    Grande abraço, M.

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