Cheguei em casa (já estou chamando quarto de hotel de “casa”) cheio planos, mas tive de subir pelas escadas: não havia energia pra mover os elevadores. Não havia energia pra mover nada; só essas idéias.
Daí me dei conta (e logo me esquecerei) que nunca sabemos quando a falta de algo vai nos deixar em um quarto escuro, só com os planos concebidos e não executados... "Tantos planes, tantos planes vueltos espuma..."
Isso me remeteu à noite de ontem, quando veio até minha mesa (em um restaurante da cidade), um senhor de paletó, chapéu Panamá, maquiagem de palhaço melancólico, e cavaquinho em punho. Era um artista de rua. Perguntou se podia cantar uma música, e iniciou a canção (muito bem cantada):
A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade perdida
Fim da tempestade
O sol nascerá
Finda esta saudade
Hei de ter outro alguém para amar
Aquilo fez todo sentido. Assim como a falta, agora da luz, está fazendo. E a ausência de algo não é de todo ruim, porque nos obriga a sermos mais presentes, e menos hipotéticos. Mais realizações e menos cogitações, como esse texto, que sai assim às pressas e à primeira palavra, pois a bateria do note também vai faltar... A ausência leva à urgência, e esta nos leva a sermos menos exigentes com nós mesmos...
Se não fosse a urgência de agir, talvez nunca realizássemos certas coisas, em relação às quais ensaiamos demais...
¿Quien sabe cuándo,
cuándo es el momento de decir: ahora?
Si todo alrededor te está gritando:
¡Sin demora, sin demora!
(Jorge Drexler)
sexta-feira, 22 de maio de 2009
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Tudo é por acaso. Nada é por acaso.
O Saramago conta a história de um homem que possui um duplicado; uma cópia fisicamente idêntica de sua pessoa, porém com personalidade própria e distinta... O livro nem é dos meus preferidos, mas me lembrei dele agora mesmo.
Olhei para meus sapatos e percebi que estavam lustrosos como nunca. Claro: hoje recebi uma “graxa” de um desses meninos que ganham a vida lustrando sapatos alheios. Custou dois reais. O pastel folhado eu dei de graça.
Uma vez, um italiano, morando de favor no Brasil, contou-me que não aceitava a idéia de que a doméstica de seus hospedeiros lavasse seu prato. Disse que o mínimo que um homem (“digno” ficou subentendido) deve fazer é limpar o prato em que comeu...
Ainda penso nisso. E, analogamente, nunca quis que engraxassem meus sapatos. Talvez por pensar que o mínimo que um homem (digno?) deve fazer é lustrar os próprios calçados... e talvez por enxergar um tanto de submissão no ato de alguém fazê-lo por mim.
Mas principalmente me opunha à idéia por atribuir a essa cena um simbolismo de que, na vida, os dados do destino só beneficiam uns poucos; os demais têm de lidar com a má sorte inicial (e alguns pouquíssimos desses conseguem transformá-la em êxito).
Hoje, no entanto, sentimentos maiores levaram-me a aceitar os serviços de um engraxate. Explico.
Inicialmente, eu recusei a “graxa” oferecida (justamente pela minha contrariedade à idéia). No entanto, decidi pagar um pastel para o engraxate.
Enquanto ele esperava que lhe trouxessem o salgado, vi que insistia em prestar seus serviços.
De repente me ocorreu que aquele rapaz iria se sentir mais digno ao prestar seus serviços em troca do pastel, ao invés de receber a comida como uma simples esmola.
Pensando nisso (e pensando rapidamente que a dignidade dele era mais importante que minhas restrições à situação), resolvi aceitar os serviços do engraxate.
Enquanto isso, descobri que ele estudava na quinta série, tinha treze anos, e que participava de uma escolhinha de futebol. Porém, o que mais me chamou a atenção foi o fato de seu primeiro nome ser idêntico ao meu.
Daí por que pensei no “Homem Duplicado” do Saramago, mas não no sentido de possível identidade física entre mim e outra pessoa, e sim no sentido de que eu e o engraxate temos o mesmo prenome, mas vidas completamente diferentes, e que, apenas por alguma aleatoriedade inexplicável do destino, não era eu quem estava engraxando os sapatos dele...
Este post poderia ser o número dois de uma série chamada “exercício de troca de lugar”, iniciada com o post “A minha rota 66”, em cujo relato eu também me coloquei no lugar de outra pessoa (a qual, presumi, deveria levar uma vida menos fácil do que a minha).
Eu ter escrito dois textos com o mesmo sentimento subjacente não é mera coincidência.
Aliás, à exceção das coisas intangíveis, nada é por acaso... se quisermos que não seja.
Olhei para meus sapatos e percebi que estavam lustrosos como nunca. Claro: hoje recebi uma “graxa” de um desses meninos que ganham a vida lustrando sapatos alheios. Custou dois reais. O pastel folhado eu dei de graça.
Uma vez, um italiano, morando de favor no Brasil, contou-me que não aceitava a idéia de que a doméstica de seus hospedeiros lavasse seu prato. Disse que o mínimo que um homem (“digno” ficou subentendido) deve fazer é limpar o prato em que comeu...
Ainda penso nisso. E, analogamente, nunca quis que engraxassem meus sapatos. Talvez por pensar que o mínimo que um homem (digno?) deve fazer é lustrar os próprios calçados... e talvez por enxergar um tanto de submissão no ato de alguém fazê-lo por mim.
Mas principalmente me opunha à idéia por atribuir a essa cena um simbolismo de que, na vida, os dados do destino só beneficiam uns poucos; os demais têm de lidar com a má sorte inicial (e alguns pouquíssimos desses conseguem transformá-la em êxito).
Hoje, no entanto, sentimentos maiores levaram-me a aceitar os serviços de um engraxate. Explico.
Inicialmente, eu recusei a “graxa” oferecida (justamente pela minha contrariedade à idéia). No entanto, decidi pagar um pastel para o engraxate.
Enquanto ele esperava que lhe trouxessem o salgado, vi que insistia em prestar seus serviços.
De repente me ocorreu que aquele rapaz iria se sentir mais digno ao prestar seus serviços em troca do pastel, ao invés de receber a comida como uma simples esmola.
Pensando nisso (e pensando rapidamente que a dignidade dele era mais importante que minhas restrições à situação), resolvi aceitar os serviços do engraxate.
Enquanto isso, descobri que ele estudava na quinta série, tinha treze anos, e que participava de uma escolhinha de futebol. Porém, o que mais me chamou a atenção foi o fato de seu primeiro nome ser idêntico ao meu.
Daí por que pensei no “Homem Duplicado” do Saramago, mas não no sentido de possível identidade física entre mim e outra pessoa, e sim no sentido de que eu e o engraxate temos o mesmo prenome, mas vidas completamente diferentes, e que, apenas por alguma aleatoriedade inexplicável do destino, não era eu quem estava engraxando os sapatos dele...
Este post poderia ser o número dois de uma série chamada “exercício de troca de lugar”, iniciada com o post “A minha rota 66”, em cujo relato eu também me coloquei no lugar de outra pessoa (a qual, presumi, deveria levar uma vida menos fácil do que a minha).
Eu ter escrito dois textos com o mesmo sentimento subjacente não é mera coincidência.
Aliás, à exceção das coisas intangíveis, nada é por acaso... se quisermos que não seja.
domingo, 10 de maio de 2009
A minha rota 66
A rota 66 atravessava os Estados Unidos de Leste a Oeste. Foi por essa highway que Jack Kerouac cruzou o país há mais de cinquenta anos. As experiências que aquela viagem maluca lhe proporcionou foram eternizadas no livro On The Road, sobre o qual comentei tempos atrás no blog.
Hoje tive meu dia de rota 66: cruzei boa parte do Estado, indo de oeste a leste em uma linha reta e exaustiva.
A viagem, se não me rendeu experiências lisérgicas como as vividas por Kerouac, também não foi totalmente desprovida de momentos propícios para reflexão.
Eis um deles.
Como havia partido após o almoço, os primeiros cem quilômetros de estrada foram de uma aborrecida sonolência. Nem mesmo a discografia completa do Led, tocando em bom som no carro, conseguia me animar.
Então resolvi parar para um café.
Assim que cheguei à mais decente loja de conveniência do oeste, notei do lado de fora um velho sentado em uma cadeira de plástico, olhando pro vazio à frente. Ele tinha mais ou menos oitenta e vários anos, saúde aparentemente debilitada e aquele olhar vago de quem parece divisar fantasmas no horizonte.
Então pensei: um dia também estarei velho assim, e quem sabe vou estar sentado numa cadeira de plástico, à margem de uma rodovia esquecida, olhando pro vazio e pensando na vida passada...
Guardei aquela imagem no bolso da memória e entrei na loja de conveniências. Enquanto esperava o café, escutei alguém na televisão, explicando pro Faustão (sim, o Fausto Silva) sobre Cronos, divindade grega que controlava o TEMPO e que engoliu seus filhos (todos menos Zeus) por temer que o destronassem.
Ainda escutei o entrevistado dizer: daí por que se diz que o “tempo engole seus filhos”.
Bebi o café (que surtiu o efeito esperado) e segui viagem pensado naquela cena: o velho do olhar perdido à frente da loja e, lá dentro, uma explicação sobre o tempo engolindo seus filhos.
Logo me lembrei que a menos de 24 horas havia conversado com uma amiga sobre a passagem veloz do tempo; e que havíamos lido sobre "o tempo presente, os homens presentes, a vida presente" (Drummond, Mãos dadas).
Tudo isso me fez pensar: seria mera coincidência a reunião, em um mesmo contexto, de tantas referências explícitas ao transcurso inexorável do tempo?
Talvez sim. Talvez não.
Mas, como me disseram (e eu acreditei), as coisas todas são vazias; somos nós que as preenchemos de sentido.
Assim, no meu caso, eu preenchi esses eventos com o sentido de uma ordem, uma ordem emanada de uma divindade cega e implacável: "não se preocupe desnecessariamente, não tenha pressa desnecessariamente; as coisas mais preciosas e as coisas mais vis têm todas o mesmo destino: ser engolidas pelo tempo".
Hoje tive meu dia de rota 66: cruzei boa parte do Estado, indo de oeste a leste em uma linha reta e exaustiva.
A viagem, se não me rendeu experiências lisérgicas como as vividas por Kerouac, também não foi totalmente desprovida de momentos propícios para reflexão.
Eis um deles.
Como havia partido após o almoço, os primeiros cem quilômetros de estrada foram de uma aborrecida sonolência. Nem mesmo a discografia completa do Led, tocando em bom som no carro, conseguia me animar.
Então resolvi parar para um café.
Assim que cheguei à mais decente loja de conveniência do oeste, notei do lado de fora um velho sentado em uma cadeira de plástico, olhando pro vazio à frente. Ele tinha mais ou menos oitenta e vários anos, saúde aparentemente debilitada e aquele olhar vago de quem parece divisar fantasmas no horizonte.
Então pensei: um dia também estarei velho assim, e quem sabe vou estar sentado numa cadeira de plástico, à margem de uma rodovia esquecida, olhando pro vazio e pensando na vida passada...
Guardei aquela imagem no bolso da memória e entrei na loja de conveniências. Enquanto esperava o café, escutei alguém na televisão, explicando pro Faustão (sim, o Fausto Silva) sobre Cronos, divindade grega que controlava o TEMPO e que engoliu seus filhos (todos menos Zeus) por temer que o destronassem.
Ainda escutei o entrevistado dizer: daí por que se diz que o “tempo engole seus filhos”.
Bebi o café (que surtiu o efeito esperado) e segui viagem pensado naquela cena: o velho do olhar perdido à frente da loja e, lá dentro, uma explicação sobre o tempo engolindo seus filhos.
Logo me lembrei que a menos de 24 horas havia conversado com uma amiga sobre a passagem veloz do tempo; e que havíamos lido sobre "o tempo presente, os homens presentes, a vida presente" (Drummond, Mãos dadas).
Tudo isso me fez pensar: seria mera coincidência a reunião, em um mesmo contexto, de tantas referências explícitas ao transcurso inexorável do tempo?
Talvez sim. Talvez não.
Mas, como me disseram (e eu acreditei), as coisas todas são vazias; somos nós que as preenchemos de sentido.
Assim, no meu caso, eu preenchi esses eventos com o sentido de uma ordem, uma ordem emanada de uma divindade cega e implacável: "não se preocupe desnecessariamente, não tenha pressa desnecessariamente; as coisas mais preciosas e as coisas mais vis têm todas o mesmo destino: ser engolidas pelo tempo".
Pintura de Goya: Cronos engolindo seus filhos.
domingo, 3 de maio de 2009
Adeus, Ilha Metafórica*
O amor tem de nos alimentar e nos consumir ao mesmo tempo. Se só alimenta, enche; se só consome, esvazia. Pensando assim, creio que tive uma relação de amor com a Ilha Metafórica, pois ela me alimentava (de espaço e ócio) e me consumia (com idéias e planos).
Esse blog, por exemplo, foi concebido e gestado na Ilha. Nasceu sob o signo da solidão, e deu seus primeiros passos nos amplos campos que se estendiam à vista da janela de meu apartamento...
Hoje não moro mais na Ilha.
E vejo claramente a diferença que faz: ainda estou cheio de idéias e planos, mas aquele espaço todo e aquele ócio ficaram para trás.
Hoje meus horizontes estão próximos demais; e o tempo é premente. Isso comprime meu ser, fazendo com que eu me sinta um compartimento pequeno para tantos acontecimentos.
Sei que depende de mim encontrar um lugar no mundo que me alimente e me consuma, como o amor que perseguimos.
É isso que me faz caminhar.
“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver”.
(Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos").
*A Ilha Metafórica nunca foi conceituada neste blog (nem precisaria), mas foi mencionada pela primeira vez no post do dia 24 de janeiro de 2009.
Esse blog, por exemplo, foi concebido e gestado na Ilha. Nasceu sob o signo da solidão, e deu seus primeiros passos nos amplos campos que se estendiam à vista da janela de meu apartamento...
Hoje não moro mais na Ilha.
E vejo claramente a diferença que faz: ainda estou cheio de idéias e planos, mas aquele espaço todo e aquele ócio ficaram para trás.
Hoje meus horizontes estão próximos demais; e o tempo é premente. Isso comprime meu ser, fazendo com que eu me sinta um compartimento pequeno para tantos acontecimentos.
Sei que depende de mim encontrar um lugar no mundo que me alimente e me consuma, como o amor que perseguimos.
É isso que me faz caminhar.
“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver”.
(Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos").
*A Ilha Metafórica nunca foi conceituada neste blog (nem precisaria), mas foi mencionada pela primeira vez no post do dia 24 de janeiro de 2009.
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