"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

sábado, 25 de setembro de 2010

Tira as mãos de mim II

Outra interpretação possível para "Tiras as mãos de mim" (*) é a de uma mulher conversando consigo mesma.

Ao invés de externar ao seu atual companheiro que ama outra pessoa, a mulher simplesmente olha para o homem diante de si e pensa: "Tiras as mãos de mim", porque não te quero; mas "Põe as mãos em mim", porque tuas mãos serão as mãos do meu amado quando eu fechar os olhos.

Em outras palavras, a mulher tenta suportar a falta do ser amado, utilizando-se de uma pessoa que fará as vezes deste, embora não existam semelhanças entre os dois indivíduos.

Na verdade, tamanha é a diferença entre os dois homens, que é possível cogitar ter a mulher escolhido um novo amante sem qualquer qualidade, seja para que isso ressaltasse os bons predicados do antigo amado, seja para que isso lhe torturasse ainda mais a alma, dando vazão a um sentimento de culpa inconsciente.

Fato é haver um desprezo pelo atual companheiro ("Na guerra és vil/ Na cama és mocho"), circunstância a colorir com certa ironia o melancólico novo relacionamento...


(*) O álbum Chico Canta, no qual se encontra essa música, foi concebido como trilha sonora para a peça Calabar: O elogio da Traição. Ao lado das interpretações feitas neste e no anterior post - e de infinitas interpretações possíveis -, há uma leitura "oficial" para "Tira as mãos de mim": a canção retrataria um episódio da invasão Holandesa no Brasil, envolvendo Domingos Fernandes Calabar, sua esposa Bárbara e Sebastião Couto, amigo de Calabar (vide http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno05-04.html).

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tira as mãos de mim

Chico Canta, de 1973, é uma obra-prima. Nessa obra-prima, entre músicas mais conhecidas do público, como Tatuagem, há uma pela qual possuo apreço ímpar: Tira as mãos de mim.

O eu lírico dessa canção-poema é uma mulher em conflito: vive com um homem; deseja outro. Daí a comparação que permeia o texto: "Ele era mil/ Tu és nenhum".

A aparente contradição do refrão é a representação perfeita do conflito do eu lírico. Ao dizer "Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim", a protagonista dirige-se ora ao homem com quem vive (o homem presente, a quem não deseja), ora ao homem ausente (aquele a quem deseja).

Isto é, a música utiliza, de forma não explícita, o recurso da troca de um dos interlocutores do discurso. É sempre a mulher que fala, mas cada verso se dirige a um homem diferente. Assim, temos "tira as mãos de mim", tu, meu amante; e "põe as mãos em mim", tu, meu amado.

E essa é apenas uma interpretação possível. Gosto também de interpretar a mudança de ordens (tira as mãos/põe as mãos) não como uma mudança de receptor do discurso, mas como uma forma de a protagonista (a emissora das ordens) externar um conflito que não suporta mais guardar para si; o conflito de estar com alguém mas desejar a companhia de outra pessoa.

Em outras palavras, a protagonista abre o jogo com seu parceiro, dizendo-lhe claramente: podemos ficar juntos, mas saibas que não és tu quem amo.

Essa verbalização faz da protagonista uma mulher que assume seu próprio desejo, mas que, por sabê-lo irrealizável, decide entregar-se aos braços de quem não ama, quiçá na esperança de fazer queimar no novo enlace as chamas do relacionamento extinto, guardadas dentro de si.

Por isso diz: "Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se o fogo dele/ Guardado em mim/ Te incendeia um pouco...".

sábado, 11 de setembro de 2010

A maior riqueza

A maior riqueza de um homem são seus amigos. Quão maior for a profundidade e a qualidade das amizades feitas, maior será o proveito de nossa passagem pela vida. Recentemente tive de enfrentar uma situação difícil, a qual foi resolvida com o apoio de amigos preciosos.

Ao lado de estarem ao meu lado nessas horas sombrias, essas pessoas também me deixaram pedacinhos de suas experiências pessoais - verdadeiras lições de como levar uma vida menos tormentosa.

Hoje de manhã tive uma conversa com uma amiga que muito me auxiliou nos últimos tempos. A conversa iniciada por amenidades logo chegou a profundidades só acessíveis a pessoas que se compreendem.
Minha interlocutora então me contou sobre uma teoria (que depois vim descobrir se tratar da teoria da janela de Joharti), para a qual nossa identidade seria como uma janela dividida em quatro partes: uma parte da janela representaria aqueles elementos de nosso ser que estão visíveis para nós mesmos e para as demais pessoas; outra parte representaria aquilo que só nós conseguimos visualizar sobre nós mesmos; uma outra parte representaria aquilo que só as outras pessoas conseguem visualizar sobre nós; e a última parte da janela simbolizaria o completo desconhecimento, aquilo que não é visto nem conhecido por ninguém (sequer por nós).

O interessante, segundo minha leitura (ou segundo meu desvirtuamento) dessa teoria, seria a noção de que quanto maior for a parte que os outros conseguem conhecer de nós, menor será a parte que simboliza o completo desconhecimento sobre nosso self. Em outras palavras, o conhecimento do outro sobre nós (quando permitimos sejamos conhecidos de verdade), ajuda a dirigir um pequeno feixe de luz sobre nossos sentimentos mais indecifráveis.

Assim, de bons relacionamentos extraímos lições para nos conhecermos e vivermos melhor, assim bons amigos são nossa maior riqueza...

Interlúdio

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.


Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.

(CM).