Chico Canta, de 1973, é uma obra-prima. Nessa obra-prima, entre músicas mais conhecidas do público, como Tatuagem, há uma pela qual possuo apreço ímpar: Tira as mãos de mim.
O eu lírico dessa canção-poema é uma mulher em conflito: vive com um homem; deseja outro. Daí a comparação que permeia o texto: "Ele era mil/ Tu és nenhum".
A aparente contradição do refrão é a representação perfeita do conflito do eu lírico. Ao dizer "Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim", a protagonista dirige-se ora ao homem com quem vive (o homem presente, a quem não deseja), ora ao homem ausente (aquele a quem deseja).
Isto é, a música utiliza, de forma não explícita, o recurso da troca de um dos interlocutores do discurso. É sempre a mulher que fala, mas cada verso se dirige a um homem diferente. Assim, temos "tira as mãos de mim", tu, meu amante; e "põe as mãos em mim", tu, meu amado.
E essa é apenas uma interpretação possível. Gosto também de interpretar a mudança de ordens (tira as mãos/põe as mãos) não como uma mudança de receptor do discurso, mas como uma forma de a protagonista (a emissora das ordens) externar um conflito que não suporta mais guardar para si; o conflito de estar com alguém mas desejar a companhia de outra pessoa.
Em outras palavras, a protagonista abre o jogo com seu parceiro, dizendo-lhe claramente: podemos ficar juntos, mas saibas que não és tu quem amo.
Essa verbalização faz da protagonista uma mulher que assume seu próprio desejo, mas que, por sabê-lo irrealizável, decide entregar-se aos braços de quem não ama, quiçá na esperança de fazer queimar no novo enlace as chamas do relacionamento extinto, guardadas dentro de si.
Por isso diz: "Tira as mãos de mim/ Põe as mãos em mim/ E vê se o fogo dele/ Guardado em mim/ Te incendeia um pouco...".
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
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