"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Édipo mata o pai em acidente de trânsito


Como tenho de viajar muito, para manter-me próximo de meus afetos, tenho por rotina
percorrer no mínimo uns mil quilômetros por mês.

Como quisesse ocupar melhor essas horas vagas à direção, pensei em algo mais instrutivo que escutar Robert Plant dizendo “me aperte até o caldo começar a escorrer pela minha perna” (posso criticar, porque sou fã – Led Zeppelin II, The Lemon Song). Parêntese: alguém já disse que Jimmy Page levou um ano para compor a música de Stairway to Heaven, e Plant fez a letra numa ida ao banheiro... Assim como alguém também já chamou esse grande vocalista de "Senhor dos Anéis Erótico", por misturar esoterismo com sacanagem em suas letras.

Fechado parêntese, dizia que resolvi incrementar instrutivamente minhas viagens. Assim, baixei uma porção de arquivos de áudio do site “Universidade Falada” (http://www.universidadefalada.com.br/). Dentre eles, o “ABC da Mitologia”, do grego VIKTOR D. SALIS (ele mora no Brasil e fala muito bem português – http://www.viktordesalis.pro.br). Após ouvir esse arquivo (download gratuito), interessei-me pelos textos de Salis, e baixei outros arquivos de áudio deste autor (a preços módicos).

Explicando aos poucos, porque ninguém quer perder tempo lendo um post de vinte parágrafos (tempo líquido, diria Bauman...), posso dizer que numa das palestras, Salis revisita o mito de Édipo, do qual, confesso, só conhecia um esboço da versão apresentada pela psicanálise moderna.

Ao recontar o mito, Salis explica que Édipo (o de pés inchados, pois lhe foram furados os pés ao nascer), é um descendente da linhagem dos Labdácidas, e que seus ascendentes há muito haviam sido amaldiçoados (a árvore genealógica de Édipo remonta o casamento de Cadmo e Harmonia, pelo qual os deuses do Olimpo buscaram restaurar o convívios entre imortais e mortais – a propósito, leiam o livro de Roberto Calasso sobre isso).

Édipo mata seu pai biológico Laio (ao qual não conhecia) em uma confusão envolvendo direito de passagem de carroças sobre uma ponte. Isso mesmo, umas das primeiras mortes causadas por motoristas esquentados! Hoje em dia, briga em acidente de trânsito é cenário comum, mas quem diria que Édipo mataria seu pai por motivo tão prosaico?

Após isso, Édipo, que estava em fuga de sua cidade natal (justamente para não matar seus pais adotivos, os quais imaginava que seriam seus pais biológicos), refugia-se em Tebas, e lá desposa sua mãe, Jocasta, viúva do falecido rei Laio.

Até aí, sem novidades. Mas para permanecer no trono de Tebas, Édipo tem de se submeter ao oráculo (aquele mesmo de Delfos, mencionado no post abaixo). E o que o oráculo faz? Impõe a Édipo uma jornada pelo conhecimento de sua história de vida, uma jornada em busca da verdade, a qual, de tão luminosa e cruel, fará com que o herói arranque os olhos das órbitas e vague maldito pelo mundo, até alcançar o perdão dos deuses... (continua no próximo post).

(escrito ao som de: Bob Dylan, Shelter from the storm).

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