"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Cristãos e muçulmanos: o papel do feminino - I


Recentemente dois filmes, igualmente excelentes, voltaram minha atenção ao papel do feminino enquanto antídoto à violência atávica do gênero masculino.

No primeiro - "E agora, aonde vamos?" -, mulheres de um vilarejo isolado do Líbano  (praticamente sem comunicação com o resto do mundo) fazem de tudo para que os homens da comunidade, divididos entre católicos e muçulmanos, não se exterminem mutuamente. 

O convívio no vilarejo entre os grupos religiosos antagônicos até então era razoável, mas brigas insignificâncias começam a indicar a deterioração daquela paz anômala. Temendo então que seus maridos e filhos se engalfinhem numa luta sem vencedores, as esposas e mães desse vilarejo, pondo de lado diferenças religiosas, fazem mil planos para acalmar os marmanjos briguentos: desde sabotar a única televisão do local, para que não se tenham notícias dos conflitos religiosos de alhures, até a inusitada contratação de dançarinas do leste europeu, que acampam no vilarejo em mini-shorts, tops e olhares lânguidos, fazendo com que os litigantes se esqueçam quem foram Jesus e Alá...

O segundo filme - “Incêndios” - é uma sucessão de socos no estômago do espectador (essa é a metáfora mais próxima que me vem à mente): dois irmãos recebem de um notário a obrigação de cumprir o testamento da mãe recentemente falecida. Nessa incumbência, vão acabar no Líbano e descobrir o passado oculto e insólito da genitora, que teve participação decisiva em evento político marcante na história daquele país...

Sobre “Incêndios” não dá para dizer muito mais, sob pena de estragar a diversão, pois o incrível do filme também é o progressivo desvendar de mistérios, culminando com um gancho no queixo que nocauteia até o espectador mais resistente.

Entre um filme e outro, mais de mês se passou. Mas terminei de ver o último e logo pensei no primeiro.


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