"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

...the future's not ours too see...

Reflexão n. 01/2008 (primeira do blog): "the future's not ours to see".

"The future's not ours to see" é um trecho famoso da letra da música "que sera, sera", tema do filme "O Homem que sabia demais" (v. wikipédia), mas pode ser encontrada, se não me engano, no filme "Em carne viva" (In the flesh?), com a Meg Ryan (bom, diga-se de passagem).

A letra, evidentemente, diz que não podemos ver o futuro, ele não nos pertence, e a vida será o que tiver de ser...

Essa música me veio à mente à propósito de uma entrevista que assisti ontem, num desses vários canais religiosos que são captados aqui nessa ilha escaldante em que resido("ilha" no sentido metafórico; escaldante: nem tão metafórico assim).

Enfim, havia esse cientista ortomolecular, cujo nome não vem ao caso (nem lembro mesmo), e explicava sobre um laboratório nos EUA para onde podemos mandar amostras de nosso sangue, via convênio com a FEDEX.

Uns trinta dias após receber a nossa amostra de sangue (e certamente um pagamento razoável), esse laboratório nos remeteria uma análise de nossos genes, com informações sobre todas as doenças para as quais temos predisposição (sem hífen, certo?).

Juntamente com esse prognóstico genético sobre o futuro de nossa saúde, nos é enviado uma indicação terapêutica para evitar a instalação dessas patologias a que estamos propensos.

A terapêutica, segundo contou esse médico na entrevista, seria absolutamente não-invasiva e não-medicamentosa, consistindo basicamente em sugestões de mudanças alimentares e de estilo de vida (aquele xalalá da prática de exercícios físicos e redução do stress - como se isso fosse assim so easy)...

Mas o fato relevante, e o que me assusta pra valer, é a constatação de que - hoje - o futuro já não é insondável; ao menos o futuro de nosso corpo. Quer dizer, já podemos, mediante uma simples remessa de um frasco de sangue pra esse laboratório (sabe-se lá se quantos outros não existem...), conhecer quase todas as doenças que nos acometerão (verbo horrível) em um futuro mais ou menos próximo.

Isso é ótimo, dirão os prudentes, pois podemos tratar com antecipação aquelas patologias a que estamos geneticamente predispostos. É o supra sumo da medicina preventiva!

Mas eu pergunto: como nos sentiremos sabendo, por exemplo, que temos 90% de chances de contrair um câncer altamente letal, daqui a, digamos, uns 10 anos?

Alguém já pensou como se sentiria? Como isso mudaria os rumos de sua vida?

Creio que não, creio que a maioria das pessoas nunca pensou nisso, já que o dólar está subindo, o Obama está inciando seu mandato, o IPI foi reduzido e, enfim, há tanto coisa pra ocupar nossas mentes...

Em suma, eis a reflexão filosófica que proponho como inaugural desse blog: o que queremos pra nossas vidas - conhecer o futuro do nosso corpo, em termos de doenças que nos espreitam mais de perto, tendo que lidar, consequentemente com a tristeza ou a alegria que daí pode advir; ou queremos gozar da ilusão de que somos livres e que nosso corpo vai aguentar nos levar até onde desejamos?

Eu não sei o que quero, mas isso me deixou bolado, e compartilho essa angústia (também nem tão grande assim) com a vasta multidão (hipérbole ou redundância?, não: ironia) de leitores desse blog.

Pra finalizar em total sintonia com o que foi escrito, recomendo - a quem por ventura ainda não conheça - o filme Gattaca, com o Ethan Hawke, que trata de uma situação que, há grandes chances, viveremos em breve: o preconceito advindo da manipulação genética, ou seja, os que são manipulados antes de nascer (e por isso são quase perfeitos) e os que são normais, como você que está lendo esse blog.

Segundo me contou hoje um amigo meu, o filme foi baseado em Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley, embora não tenha encontrado na rede confirmação pra essa informação (há uma boa crítica sobre o filme em http://www.telacritica.org/gattaca.htm).

Então é isso: continuarei com canção na cabeça, cantando baixinho ao me deparar com a máquina do mundo (drummond): "the future's not ours to see" - embora isso já signifique o mesmo que um dia significou...

3 comentários:

  1. Pena eu não ter muito tempo pra escrever agora, mas algumas palavras vou deixar...

    Conhecer o futuro do nosso corpo? Nossa, saber o futuro de qualquer coisa é assustador. Acho que se eu descobrisse algo ruim iria dizer: já imaginava...

    Possuir o dom de Cassandra, filha de Príamo, rei de Tróia, ou do Ciclope, que via o dia de sua própria morte...é algo maluco.

    Como seria viver sem o encantamento do mistério?

    Não sei...mas é sedutor pensar na possibilidade de evitar alguns sofrimentos ao decifrar o amanhã.

    Vou pensar sobre isto...permanece a dúvida, a incerteza...

    ‘O mistério é o elemento-chave de toda obra de arte’. (Luis Buñuel)

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  2. Sou o tal amigo que comentou que o filme Gattaca foi baseado no livro "Admirável Mundo Novo (Brave New World)", de Aldous Huxley.
    Na verdade nem lembrava onde lera esta associação, quando soube que minha informação fora postada num blog, preocupei-me, principalmente quando o autor do blog comentou que a informação não pode ser confirmada por perquisa feita na internet.
    Após uma pesquisa básica no meu Guru predileto, o tal Sr. Google, lançando as seguintes referências chave: - "gattaca aldous huxley"... pasmem... 15300 referências encontradas. Contudo, em nenhuma delas encontrei a informação de que o filme fora "baseado" no livro. Mas qual o motivo então destas 15300 associações? Uma inferência quase que unânime, por óbvia que é..., a semelhança temática entre o filme e o livro. Li vários livros de Aldous Huxley, não conheço nenhum escritor tão visionário quanto ele foi em Admirável Mundo Novo. Dito isso, o que vc acha? Aldous Huxley baseou o seu livro Admirável Mundo Novo (publicado em 1932) no filme Gattaca (lançado em 1997)? Ou será que Andrew Niccol não andou dando uma “lidinha” na tal obra Admirável Mundo Novo, do romancista, ensaísta, contista e historiador Aldous Huxley?

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  3. Conhecer o futuro é o desejo de todo homem. Mas como aproveitá-lo de forma saudável e produtiva???? No meu ponto de vista, saber o futuro não é o maior dos problemas, mas encará-lo de frente....é um desafio. O homem está sempre em busca de alguma coisa: em busca do melhor carro, em busca do melhor emprego, em busca da melhor esposa, em busca do melhor marido....em busca do futuro, da vida perfeita. E por mais que consigamos alcançar tudo...sempre fica um vazio. Porque na verdade, a única certeza do futuro é a morte. Essa não tem como negar, como afastar, como negligenciar. Na verdade, a morte é consequência da vida. Saber ou não a probalidade de se ter uma doença terminal não vai mudar a morte, mas pode mudar a vida. Depende da perspectiva. Somos tão soterrados por problemas, angústias e preocupações, que deixamos de viver. Há aqueles que projetam demais o futuro....não aproveitam sequer um momento do presente. Há aqueles que vivem demais o presente....mas não se dão a oportunidade de sonhar com o futuro. O equilíbrio......essa é a chave para a perfeição.

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