"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Para além do bem e do mal (ou o blogadicto e a espinha de peixe)

Reflexão filosófica nº 02/2009: uma obsessão pode ser uma coisa boa?

Blogadicto é um neologismo; ontem, quando pensei na palavra, até imaginei que eu seria o inventor dela... Quanta pretensão. No grande G (posso chamá-lo assim? acho que é uma apropriada denominação, pois sua onisciência e popularidade lembram o grande irmão do George Orwell), enfim, no google encontram-se 4.530 resultados para a pesquisa do termo "blogadicto".

Isso só demonstra que não há mais nada inédito no mundo, ou que tamanha é a velocidade da difusão das invenções que aquilo que ontem era inédito, hoje é popular - acho que essa última hipótese é mais razoável.

Mas, retomando a linha de pensamento, blogadicto quer dizer viciado em blog, como drogadicto. Fácil.

O que não é fácil é descobrir-se um blogadicto, e acho que estou passando por esse processo de descoberta.

Digo isso porque há três dias só penso nesse blog; não estou me arrependendo de tê-lo criado, já que seus benefícios (e falarei sobre isso em outra hora, mas já podem ir lendo "Redação Inquieta", do Gustavo Bernardo) são maiores de que seus malefícios.

Mas o fato é que estou me dando conta de que a situação está fora do controle.

Por exemplo, agora deveria estar escutando alguma canção lenta do Mellon Collie and the Infinite Sadness (v. The Smashing Pumpkins), como faço todo dia após almoçar, tentando me recuperar para o turno da tarde (sempre mais violento que o round inicial).


Outro indício de que estou me tornando um blogadicto é que a todo momento elaboro textos na minha cabeça, coisas para postar aqui... Isso até seria bom, se eu não tivesse mais nada pra fazer da minha vida.

Mas o exemplo máximo da minha iminente (ou consumada) blogadição é o seguinte: hoje, durante o almoço (trinta minutos atrás), uma pedaço bem pequeno de espinha de peixe cravou entre a minha gengiva e a parte de trás de um dos meus dentes. Tive de correr para o banheiro do restaurante. Não vale a pena contar como, quinze minutos depois, eu consegui remover a inoportuna espinha.

O fato é que não consegui mais almoçar. Não por causa da dor causada pela espinha já extraída. Mas porque fiquei pensando: qual a reflexão filosófica que posso postar no meu blog a partir dessa experiência ridícula?

Assim, como uma coisa leva a outra, estou escrevendo esse texto agora. E o que pude concluir é:

a) não há sentido a se extrair no fato de uma espinha de peixe cravar na sua gengiva;

b) as reflexões filosóficas, no meu caso particular, não devem ser "forçadas" a partir de fatos do meu dia-a-dia;

c) e, sim, estou me tornando obcecado por este blog.

A partir dessa última conclusão - de que estou mesmo viciado no blog - eu me sinto confortável para formular, finalmente, a reflexão filosófica nº 02/2009, a qual, vem em forma de pergunta: uma obsessão pode ser uma coisa boa?

Vale a pena refletir, porque - embora inicialmente nos sintamos inclinados a dizer que não, que obsessões são sempre ruins - é possível que grandes coisas sejam conquistadas a partir de obsessões.

A paixão, por exemplo, é uma obsessão socialmente aceita. Não estou falando aqui do "amor com sabor de fruta mordida" (Cazuza), mas da paixão que devora nossa mente quando nos deparamos com o objeto do nosso desejo.

Nesse caso, se a paixão for mesmo uma forma de obsessão, e se a paixão muitas vezes evolui para uma forma mais evoluída de sentimento - amor -, logo, estou a concluir que as obsessões (ao menos aquelas saudáveis, como escrever um blog, ou pintar ou escrever) podem, sim, ser coisas boas (ou nos levar a coisas boas).

Ou melhor dizendo: uma obsessão é algo além do bem e do mal, porque implica na entrega quase que absoluta de nosso ser em prol de algo que acreditamos que seja, praticamente, o sentido do instante vivivo. E quem poderia criticar isso?

Essa é, então, a minha conclusão: não julguemos as obsessões, pois não sabemos o que há por trás delas, não sabemos onde elas vão acabar, e, afinal, são formas intensas de se viver algo.

De mais a mais, não me sinto autorizado a discordar de Nietzsche, para quem: "O que se faz por amor sempre se faz para além do bem e do mal". (in Além do Bem de do Mal).

Um comentário:

  1. Lendo Para além do bem o do mal, fiquei pensando na questão: uma obsessão pode ser uma coisa boa?
    Fiquei a pensar o que uma obsessão teria de bom? Não me vem nada à cabeça.
    Mas enfim...o que quero registrar é que não me parece se tratar de uma obsessão, mas sim de uma sublimação. Termo utilizado por Freud, em sua obra, para tentar explicar, segundo informações do Vocabulário de Psicanálise, de um ponto de vista econômico e dinâmico certas atividades alimentadas por um desejo que não visa, de forma manifesta, um desejo sexual: por exemplo a criação artística e a investigação intelectual.

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