"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Uma história real


Há imagens cujo poder de sedução é muito grande.

Um dia desses, troquei de canal e apareceu a cena de um velhinho viajando por uma rodovia em um cortador de grama. O inusitado da situação prendeu minha atenção, e não consegui mais trocar de canal.

Tratava-se do filme “Uma história real” – cujo diretor, mais tarde vim a saber (com surpresa, dada a ausência de maiores bizarrices na película) era o David Lynch. O enredo baseia-se na história verídica (daí o nome brasileiro do filme) do Sr. Alvin Straight, um cidadão norte-americano que viajou cerca de 260 milhas pelo interior de seu país, para visitar o irmão que havia sofrido um derrame. Detalhe: o fez pilotando um cortador de grama adaptado, que rebocava um pequeno compartimento metálico utilizado como cama à noite.

O filme, além de ser muito interessante em seu conteúdo, marcou-me por uma cena específica (muito simbólica).

O Sr. Straight, uma figura de saúde já combalida, pilota seu cortador de grama por uma estrada margeada por campos desabitados, quando nuvens escuras prenunciam uma chuva iminente. Assim que o som dos primeiros trovões atravessa o ar, o ancião avista uma estrutura de madeira com apenas duas paredes laterais e um teto, parecendo um pequeno celeiro inacabado. Percebendo ali um abrigo, o Sr. Straight se dirige (sempre vagarosamente) para o local, e, no exato instante que consegue estacionar o seu “veículo” dentro daquele espaço protegido, a chuva começa a cair sobre os campos ao redor...

Nesse momento, a câmera corta para o protagonista, em cuja expressão facial está estampado um contentamento extremamente singelo: a felicidade por encontrar, na premência das circunstâncias, um abrigo contra a chuva...

Essa cena mostra o quanto uma imagem pode seduzir, e que um dos meios de fazê-lo é evocar um sentimento inato a todas as pessoas. David Lynch sabe disso...

Afinal, quem nunca desejou, em meio a situações angustiantes, encontrar um espaço protegido (como aquele celeiro) e esperar o temporal passar?

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