"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

sábado, 19 de junho de 2010

Nascimento e morte de um post

Ontem, 18/06/2010, por volta das 16 horas, acessei o blog e verifiquei haver dois comentários sobre o post “o preço da segurança II”.

Em um dos comentários, havia uma sugestão de retificação ao texto do post. Constatei a procedência da sugestão, e decidi corrigir o erro tão-logo fosse possível. Naquele momento, ainda sem sabê-lo, dei o passo inicial que culminaria no nascimento e na morte de um post.

No mesmo dia, por volta das 19h30, reli os dois comentários; fiz a correção necessária no post“O preço da segurança II” e achei interessante escrever um texto sobre juventudeequilíbrio e desequilíbrio, inspirado na frasereaprender a equilibrar o desequilibro”, contida no comentário de Savatelha ao mesmo post.

Em agradecimento às palavras dos dois leitores, adicionei, às 19h56m, um post chamado “Comentários”. 

Quem o ler, perceberá que naquele momento minha mente engravidou da ideia de um post.

Mais tarde, na madrugada do dia 19/06/2010, adormeci pensando no texto que escreveria ao acordar. As palavras “juventude, equilíbrio e desequilíbrio” habitaram meus sonhos.

Despertei de um sono inquieto e pouco. Almocei e fui à siesta. Eram 14h30m do dia de hoje. Ia relaxando ao som de "tonight, tonight", quando um trecho da música fixou-se: “in the resolute urgency of now”. Ainda na cama, mas sem o propósito da siesta, o texto de um post começou a ser gestado em minha mente...

“A urgência resoluta do agora”. Achei que esse poderia ser o título. Pensei em falar sobre a necessidade que nos impomos de viver todas as "boas" oportunidades da vida no momento presente, em obediência à “urgência resoluta do agora”.

Falaria que ser jovem é estar pressionado pela mão invisível da cultura de massa, que nos empurra para a fruição plena e imediata de todos os prazeres. Ser jovem é ter de viver no desequilíbrio constante de uma cultura que nos cobra o cumprimento de um único imperativo: o gozo absoluto.

Mas, para escrever isso, eu desejei um subsídio poético. Então me lembrei de um poema de Drummond sobre a velhice. Apenas um verso me veio à cabeça: um mergulho no lenho dócil. Deixei a cama e vim ao computador. Digitei o verso no Google. O poema apareceu dentro uma dissertação de mestrado chamadaCORPO, TEMPO E ENVELHECIMENTO”. Comecei a ler o texto e me impressionei com o quanto ele falava ao meu coração. Achei que poderia usá-lo para escrever mil posts sobre juventude, equilíbrio, tempo, velhice, morte...

Lembrei então da morte do Saramago. Pensei: “como pode? ele parecia bem mais jovem na capa de ‘Todos os Nomes’...”

me dei conta de haver comprado esse livro em 1999. Meu deus, 11 anos! Ele era mesmo mais jovem – e eu também o era...

Quando senti se materializar o decurso de 11 anos da minha vida, não consegui mais escrever sobre juventude, equilíbrio e desequilíbrio.

O post havia morrido.

E por não suportar o peso de seu cadáver em meus braços, vim sepultá-lo publicamente, às 18 horas do dia 19 de junho de 2010.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Comentários

O comentário de Gustavo ao último post me mostrou que troquei os sinais nas fórmulas apresentadas. Agradeço  não só por oportunizar a retificação quanto por haver lido o texto, motivo de felicidade para qualquer filósofo amador.

Em relação ao comentário de Savatelha, sinto que a frase "reaprender a equilibrar o desequilíbrio" merece uma análise mais aprofundada de minha parte, tarefa a qual me dedicarei no próximo post...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O preço da segurança II

Millôr fala na eterna chateação pela obediência irrestrita a cautelas excessivas (ver último post). Não se expor a riscos pode ser a saída para se viver longos anos. Mas o custo dessa diminuição de riscos não é, em si mesmo, um risco de infelicidade?

Tenderia a dizer que sim. Mas não há uma resposta correta, poisquem se contente em não atravessar a rua, não viajar de avião, não sair à chuva.

Se você não se enquadra nessa situação de se contentar com o tédio, talvez pudesse se valer da equação existencial que segue (sendo “danoqualquer revés potencialmente doloroso e “chance de ser felizqualquer aumento no grau de felicidade):

risco de dano ≤ chance de ser feliz = vai nessa

risco de dano ≥ chance de ser feliz = segura sua onda

Se a aplicação prática dessas equações não surtir o efeito desejado, estará provado que não adianta equacionar nada (a avaliação risco/ganho é inútil em termos existenciais), logo é inútil se evitarem os riscos, logo a busca da felicidade é única e imperativa regra...

terça-feira, 8 de junho de 2010

O preço da segurança

Como uma amiga houvesse me perguntado “tudo bem? tudo bem, mesmo?” após ler o último post, resolvi desde logo escrever outro, este inspirando melhores humores.

Trata-se, em verdade, de uma citação colhida a esmo em um livro de estimação.

Mas não apenas uma citação, pois o texto é de Millôr Fernandes, escritor a quem não se pode atribuir qualquer predicado restritivo.


“Realmente, se você não atravessar a rua dificilmente será atropelado, se não entrar num avião é quase impossível que morra num desastre de aviação, se evitar correntes de ar terá menos resfriados, se não prevaricar manterá mais firmemente a harmonia do lar, se não beber cometerá menos desatinos, se gastar menos do que ganha terá sempre uma reserva para os dias difíceis, uma vida muito mais segura do que do estróina e pródigo. O preço da segurança é a eterna chateação”.


(Dos Riscos de Existir. Conversa com Rubem Braga. 1971)

domingo, 6 de junho de 2010

Limitações reais. Limitações imaginárias.

Existe uma cena em um filme do Woody Allen – de cujo nome confesso não lembrar, embora suspeite seja “celebridades” – em que uma noiva está no altar, prestes a se casar com um homem aparentemente honesto, aparentemente fiel e aparentemente muito apaixonado por ela.

A protagonista da cena, no momento do sim, abandona o altar e sai correndo porta afora. Vagueia pela rua e entra na casa de uma quiromante, a quem explica ter acabado de deixar para trás aquele que poderia ser o homem da sua vida.

Poderia, pois certeza a noiva não tinha, e por isso desistira no último instante.

Mais do que isso, a noiva pensava que tinha de haver algo de errado com o noivo, justamente por ele parecer alguém tão cheio de virtudes e tão diferente das pessoas com quem ela se relacionara até  então. Tinha de haver algo de errado porque ele parecia perfeito para ela

A quiromante a mão da noiva e lhe tranqüiliza, dizendo para procurar o noivo abandonado, pois ele a amava e a aceitaria de volta.

Como profetizado, o casal vem a se reencontrar tempos depois e a se casar finalmente. Vivem um relacionamento feliz.

A cena deixa claro: a noiva acreditava piamente não merecer a sorte de haver encontrado alguém que verdadeiramente a amava.

E assim pensava não apenas porque seu último casamento fracassara; ou porque seu ex-marido (com quem fora casada por 20 anos) a ignorava e a traía.

Isso acontecia porque aquela mulher fora “educada”, principalmente pela família e pela religião (temas recorrentes para Allen), para acreditar que não merecia receber a felicidade em sua vida. Esta seria destinada a poucos bem-aventurados, aos integrantes de uma casta a qual ela não pertencia (como seus pais não pertenceram).

Como supunha não ser merecedora de algo bom, a noiva inconscientemente teve de imaginar existir algo de ruim atrás das boas aparências, teve de imaginar que o fracasso viria mais cedo ou mais tarde, ainda que as circunstâncias (as boas impressões emanadas do noivo) indicassem exatamente o contrário.

Isso me faz pensar: quais das nossas limitações são reais e quais são imaginárias? 

Quando não nos aproximamos de algo que desejamos, porque desde logo nos imaginamos incapazes de alcançar o objeto de nosso desejo, será que não estamos colocando uma interdição imaginária à nossa felicidade? Não estamos interditando o nosso desejo simplesmente por nos acharmos indignos da felicidade que satisfazê-lo pode nos proporcionar?

Quando estamos próximos de conquistar algo desejado, mas supomos que alguma desgraça imprevista acontecerá e nos privará da felicidade, não estamos nos comportando como essa noiva de Allen?

No filme, a fuga do altar (fuga da felicidade) foi remediada adiante, mas na vida real nem sempre há uma segunda chance...