"...Mas o quociente de dor que a gente sofre já não é chocante o bastante para não precisar de uma amplificação ficcional, que dê às coisas uma intensidade que é efêmera na vida e que por vezes chega a passar despercebida? Não para algumas pessoas.
Para umas poucas, muito poucas, essa amplificação, que brota do nada, insegura, constitui a única confirmação, e a vida não vivida, especulada, traçada no papel impresso, é a vida cujo significado acaba sendo mais importante..." (Philip Roth, Fantasma Sai de Cena).

domingo, 6 de junho de 2010

Limitações reais. Limitações imaginárias.

Existe uma cena em um filme do Woody Allen – de cujo nome confesso não lembrar, embora suspeite seja “celebridades” – em que uma noiva está no altar, prestes a se casar com um homem aparentemente honesto, aparentemente fiel e aparentemente muito apaixonado por ela.

A protagonista da cena, no momento do sim, abandona o altar e sai correndo porta afora. Vagueia pela rua e entra na casa de uma quiromante, a quem explica ter acabado de deixar para trás aquele que poderia ser o homem da sua vida.

Poderia, pois certeza a noiva não tinha, e por isso desistira no último instante.

Mais do que isso, a noiva pensava que tinha de haver algo de errado com o noivo, justamente por ele parecer alguém tão cheio de virtudes e tão diferente das pessoas com quem ela se relacionara até  então. Tinha de haver algo de errado porque ele parecia perfeito para ela

A quiromante a mão da noiva e lhe tranqüiliza, dizendo para procurar o noivo abandonado, pois ele a amava e a aceitaria de volta.

Como profetizado, o casal vem a se reencontrar tempos depois e a se casar finalmente. Vivem um relacionamento feliz.

A cena deixa claro: a noiva acreditava piamente não merecer a sorte de haver encontrado alguém que verdadeiramente a amava.

E assim pensava não apenas porque seu último casamento fracassara; ou porque seu ex-marido (com quem fora casada por 20 anos) a ignorava e a traía.

Isso acontecia porque aquela mulher fora “educada”, principalmente pela família e pela religião (temas recorrentes para Allen), para acreditar que não merecia receber a felicidade em sua vida. Esta seria destinada a poucos bem-aventurados, aos integrantes de uma casta a qual ela não pertencia (como seus pais não pertenceram).

Como supunha não ser merecedora de algo bom, a noiva inconscientemente teve de imaginar existir algo de ruim atrás das boas aparências, teve de imaginar que o fracasso viria mais cedo ou mais tarde, ainda que as circunstâncias (as boas impressões emanadas do noivo) indicassem exatamente o contrário.

Isso me faz pensar: quais das nossas limitações são reais e quais são imaginárias? 

Quando não nos aproximamos de algo que desejamos, porque desde logo nos imaginamos incapazes de alcançar o objeto de nosso desejo, será que não estamos colocando uma interdição imaginária à nossa felicidade? Não estamos interditando o nosso desejo simplesmente por nos acharmos indignos da felicidade que satisfazê-lo pode nos proporcionar?

Quando estamos próximos de conquistar algo desejado, mas supomos que alguma desgraça imprevista acontecerá e nos privará da felicidade, não estamos nos comportando como essa noiva de Allen?

No filme, a fuga do altar (fuga da felicidade) foi remediada adiante, mas na vida real nem sempre há uma segunda chance...


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